Informativo de Jurisprudência 671

Número 671 Brasília, 5 de junho de 2020.
RECURSOS REPETITIVOS
PROCESSO REsp 1.757.352-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por
maioria, julgado em 12/02/2020, DJe 07/05/2020 (Tema 1019)
RAMO DO DIREITO DIREITO ADMINISTRATIVO
TEMA Desapropriação indireta. Declaração de utilidade pública. Realização de
obras e serviços de caráter produtivo. Prescrição. Aplicação do prazo de
10 anos previsto no parágrafo único do art. 1.238 do CC/2002. Tema 1019.
DESTAQUE
O prazo prescricional aplicável à desapropriação indireta, na hipótese em que o Poder Público
tenha realizado obras no local ou atribuído natureza de utilidade pública ou de interesse social ao
imóvel, é de 10 anos, conforme parágrafo único do art. 1.238 do CC.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Ante a ausência de normas expressas que regulassem o prazo prescricional das ações de
desapropriação indireta, o Superior Tribunal de Justiça, à luz do disposto no art. 550 do Código Civil
de 1916, firmou o entendimento de que a ação de indenização por apossamento administrativo, por
possuir natureza real e não pessoal, sujeitava-se ao prazo prescricional de 20 anos, e não àquele
previsto no Decreto-Lei 20.910/1932 (Súmula 119 do STJ: "A ação de desapropriação indireta
prescreve em 20 anos").
Partiu-se da premissa de que a ação expropriatória indireta possui natureza real e, enquanto não
transcorrido o prazo para aquisição da propriedade por usucapião, subsistiria a pretensão de
reivindicar o correspondente preço do bem objeto do apossamento administrativo.
As razões para a fixação do prazo prescricional no tocante à ação de desapropriação indireta
permanecem válidas. O Código Civil de 2002, contudo, reduziu o prazo da usucapião extraordinária
para 15 anos (art. 1.238, caput) e previu a possibilidade de aplicação do prazo de 10 anos (art.
1.238, parágrafo único) nos casos em que o possuidor tenha estabelecido no imóvel sua moradia
habitual, ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Considerando que as hipóteses legais de desapropriação por utilidade pública indicam que a
posse havida pela Administração Pública tem por fim a realização de obras ou serviços de caráter
produtivo, é aplicável o prazo prescricional decenal, previsto na regra especial do parágrafo único
do art. 1.238 do CC/2002.
A prescrição decenal é questionada em alguns julgados da Primeira Turma, sob o argumento de
que, por se tratar de uma regra extraordinária, deve ser interpretada de forma restrita, aplicando-se,
portanto, apenas em favor de particulares.
A solução da controvérsia deve ser encontrada na técnica hermenêutica.
Veja-se que tanto o caput quanto o parágrafo único não são voltados à Administração Pública,
porquanto presentes no Código Civil e, dessarte, regulam ambos as relações entre particulares, tão
somente. Em qualquer uma das hipóteses, vale-se o intérprete da analogia.
Com efeito, o mesmo fundamento que afastaria a aplicação do parágrafo único (ou seja, de que a
regra é exclusiva para particulares) serviria para afastar o regramento da usucapião extraordinária,
prevista no caput. Logo, nessa linha de raciocínio, também não poderia ser aplicado o prazo de 15
anos à Administração Pública. Hipótese descartada, como já visto, considerando que o STJ já decidiu
pela aplicação do CC à presente questão.
PROCESSO REsp 1.799.306-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Rel. Acd. Min. Francisco
Falcão, Primeira Seção, por maioria, julgado em 11/03/2020, DJe
19/05/2020 (Tema 1014)
RAMO DO DIREITO DIREITO TRIBUTÁRIO
TEMA Imposto de importação. Base de cálculo. Composição do valor aduaneiro.
Serviços de capatazia. Inclusão. Instrução Normativa SRF n. 327/2003.
Decreto n. 6.759/2009. Tema 1014.
DESTAQUE
Os serviços de capatazia estão incluídos na composição do valor aduaneiro e integram a base de
cálculo do imposto de importação.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (Gatt 1994), no art. VII, estabelece normas para
determinação do "valor para fins alfandegários", ou seja, "valor aduaneiro" na nomenclatura do
nosso sistema normativo, sobre o qual incide o imposto de importação. Para implementação do
referido artigo e, de resto, dos objetivos do acordo Gatt 1994, o Decreto n. 2.498/1998, no art. 17,
prevê a inclusão no valor aduaneiro dos gastos relativos a carga, descarga e manuseio, associados ao
transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação. Essa disposição é
reproduzida no parágrafo 2º do art. 8º do AVA (Acordo de Valoração Aduaneira).
Os serviços de carga, descarga e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas
até o porto ou local de importação, representam a atividade de capatazia, conforme a previsão da
Lei n. 12.815/2013, que, em seu art. 40, definiu essa atividade como de movimentação de
mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência,
transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e
entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelho
portuário.
Com o objetivo de regulamentar o valor aduaneiro de mercadoria importada, a Secretaria da
Receita Federal editou a Instrução Normativa SRF n. 327/2003, na qual ficou explicitado que a
carga, descarga e manuseio das mercadorias importadas no território nacional estão incluídas na
determinação do "valor aduaneiro" para incidência tributária da exação. Posteriormente foi editado
o Decreto n. 6.759/2009, regulamentando as atividades aduaneiras, fiscalização, controle e
tributação das importações, ocasião em que foi ratificada a regulamentação exarada pela SRF.
Ao interpretar as normas citadas, evidencia-se que os serviços de capatazia, conforme a definição
acima referida, integram o conceito de valor aduaneiro, tendo em vista que tais atividades são
realizadas dentro do porto ou ponto de fronteira alfandegado na entrada do território aduaneiro.
Nesse panorama, verifica-se que a Instrução Normativa n. 327/2003 encontra-se nos estreitos
limites do acordo internacional já analisado, inocorrendo inovação no ordenamento jurídico pátrio.
PRIMEIRA SEÇÃO
PROCESSO EREsp 1.619.117-BA, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por
maioria, julgado em 27/11/2019, DJe 08/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO TRIBUTÁRIO
TEMA Hora Repouso Alimentação (HRA). Natureza remuneratória. Contribuição
previdenciária patronal. Incidência.
DESTAQUE
Incide a contribuição previdenciária patronal sobre os valores pagos a título de Hora Repouso
Alimentação - HRA.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia à possibilidade de incidência da contribuição previdenciária patronal
sobre os valores pagos a título de Hora Repouso Alimentação - HRA, prevista nos arts. 3º, II, da Lei n.
5.811/1972 e 71, § 4º, da CLT.
O acórdão embargado, da Primeira Turma, consignou que tal verba "[...] reveste natureza jurídica
autenticamente indenizatória, pois seu escopo é recompor direito legítimo do empregado suprimido
em virtude das vicissitudes da atividade laboral, assumindo perfil de genuína compensação, de
verdadeira contrapartida a que o empregador está obrigado, por lei, a disponibilizar ao obreiro, em
virtude da não fruição do direito ao intervalo para refeição e repouso que lhe é garantido,
imprescindível ao restabelecimento do seu vigor físico e mental".
Partindo da premissa de que a Hora Repouso Alimentação - HRA possui natureza indenizatória,
concluiu que sobre ela não deve incidir a contribuição previdenciária patronal (art. 22, I, da Lei n.
8.212/1991).
Por sua vez, o julgado paradigma, da Segunda Turma, assentou: "a 'Hora Repouso
Alimentação - HRA' [...] é paga como única e direta retribuição pela hora em que o empregado
fica à disposição do empregador", configurando, assim, "retribuição pelo trabalho ou pelo tempo à
disposição da empresa e se submete à contribuição previdenciária, nos termos do art. 28 da Lei n.
8.212/1991".
Tem-se que a Hora Repouso Alimentação HRA é paga como única e direta retribuição pela hora
em que o empregado fica à disposição do empregador. Ou seja, o trabalhador recebe salário normal
pelas oito horas regulares e HRA pela 9ª (nona) hora, em que ficou à disposição da empresa.
O empregado fica efetivamente 9 (nove) horas contínuas trabalhando ou à disposição da empresa
e recebe exatamente por esse período, embora uma dessas horas seja paga em dobro, a título de
HRA. Trata-se de situação análoga à hora extra: remuneração pelo tempo efetivamente trabalhado
ou à disposição do empregador e sujeita à contribuição previdenciária.
Assim, a HRA possui nítida natureza remuneratória, submetendo-se à tributação pela
contribuição previdenciária patronal, nos termos dos arts. 22, I, e 28 da Lei n. 8.212/1991.
Em obiter dictum, impende ressaltar que a redação do art. 71, § 4º, da CLT foi alterada pela Lei n.
13.467/2017: "A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para
repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza
indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o
valor da remuneração da hora normal de trabalho".
A compreensão esposada abrange apenas os pagamentos e recolhimentos realizados antes da
entrada em vigor da Lei n. 13.467/2017, uma vez que a nova redação do art. 71, § 4º, da CLT não foi
objeto de discussão no presente caso.
PRIMEIRA TURMA
PROCESSO REsp 1.344.716-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por
unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 12/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA Renúncia ao prazo recursal. Homologação judicial. Inexistência. Ação
rescisória. Abertura do prazo decadencial. Intimação da parte interessada.
Necessidade.
DESTAQUE
Inexistindo homologação judicial do pedido de renúncia, não se pode permitir a abertura do
prazo decadencial de dois anos para propor ação rescisória antes que ocorra a indispensável
intimação da parte interessada.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Em regra, a desistência do recurso ou a renúncia ao prazo recursal constituem ato unilateral de
vontade do recorrente que independe da aquiescência da parte contrária e produz efeitos imediatos,
ensejando o trânsito em julgado, se for o caso, à luz dos arts. 158, caput, 501 e 502 do CPC/1973.
Desse modo, a desistência do recurso ou a renúncia ao prazo recursal determinam, em regra, o
trânsito em julgado da decisão impugnada, se não houver, vale registrar, recurso pendente de
julgamento da outra parte.
Contudo, a hipótese revela uma peculiaridade que impede o reconhecimento do trânsito em
julgado na data do protocolo da renúncia. Como não há notícia de que houve homologação pelo
ministro relator, a recorrente teve ciência do pedido de renúncia ao prazo recursal e ao direito de
recorrer quando foi intimada pessoalmente do acórdão proferido nos autos do agravo regimental.
Não obstante os efeitos imediatos preconizados na lei processual civil ao pedido de renúncia, não
havendo homologação judicial, o princípio do contraditório impede que o trânsito em julgado seja
reconhecido antes da ciência da parte ex adversa. Não se pode permitir a abertura do prazo, no caso,
decadencial de 2 (dois) anos, de que cuida o art. 495 do CPC/1973, antes que ocorra a indispensável
intimação da parte interessada no fato processual que lhe dá origem.
Nesse contexto, deve ser contado o prazo decadencial da data da primeira intimação da
recorrente, após o pedido de renúncia.
SEGUNDA TURMA
PROCESSO REsp 1.846.075-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por
unanimidade, julgado em 03/03/2020, DJe 18/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO URBANÍSTICO
TEMA Manutenção de quiosques e trailers sobre calçada. Impossibilidade. Bem
público de uso comum do povo. Aprovação estatal. Necessidade.
Desocupação e demolição. Poder de polícia. Inaplicabilidade do princípio
da confiança.
DESTAQUE
Não é possível a manutenção de quiosques e trailers instalados sobre calçadas sem a regular
aprovação estatal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a saber se é possível a manutenção de quiosques e trailers comerciais
instalados sobre calçadas sem a regular aprovação estatal.
Em cidades tomadas por veículos automotores, a maior parte deles a serviço de minoria
privilegiada, calçadas integram o mínimo existencial de espaço público dos pedestres, a maioria da
população. Na qualidade de genuínas artérias de circulação dos que precisam ou preferem
caminhar, constituem expressão cotidiana do direito de locomoção. No Estado Social de Direito, o
ato de se deslocar a pé, em segurança e com conforto, qualifica-se como direito de todos, com
atenção redobrada para a acessibilidade dos mais vulneráveis, aí incluídos idosos, crianças e
pessoas com deficiência. Mister atinar que, no dia a dia da cidade contemporânea, o universo
complexo da mobilidade urbana reserva papel crítico às calçadas, não se esgotando no fluxo de
carros nem na construção de ruas, avenidas, estradas, pontes e viadutos.
Vale dizer que, no Direito, calçadas compõem a família dos bens públicos, consoante o art. 99, I,
do Código Civil. O Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro distingue entre calçada e passeio.
Juridicamente falando, as duas noções são próximas; e a distinção, tênue, pois o legislador qualificou
o passeio como "parte da calçada". Contudo, o que se vê geralmente é a brutal apropriação de
calçadas para usos particulares destituídos de função ou benefício social, atributo inseparável da
classe dos bens públicos.
Em país ainda marcado pela ferida aberta das favelas e por fração significativa de pessoas
vivendo ao relento poderia soar irrealista esperar que o Judiciário se preocupe com a existência,
conservação e proteção de calçadas. Nada mais equivocado, no entanto, pois o autêntico juiz se
revela quando decide questões jurídicas que, embora aparentem atrelamento a dificuldades do
presente ou a concepções obsoletas do passado, se projetam sobre as gerações futuras. E, não é
segredo, calçadas e cidades do amanhã se formam no seio do caos urbano da nossa época, mesmo
que ainda não passem de esqueletos imperfeitos à espera, mais adiante, de corpo imaginado ou de
destino prometido pela Constituição e pelas leis. Essa exatamente a expectativa que o Estatuto da
Cidade deposita se faltar ou falhar ação administrativa ou sobrar cobiça individual no Judiciário
brasileiro, ao prescrever que a Política Urbana deve garantir o "direito a cidades sustentáveis", em
favor das "presentes e futuras gerações" (Lei 10.257/2001, art. 2º, I). 6. Segundo jurisprudência
pacífica do STJ, a ninguém é lícito ocupar espaço público (calçada, in casu), exceto se estritamente
conforme à legislação e após regular procedimento administrativo. A Administração dispõe de
dever-poder de revisão de ofício de seus atos, exercitável a qualquer momento, mais ainda quando o
ato administrativo de qualquer tipo for emitido em caráter provisório ou precário, com realce para o
urbanístico, ambiental e sanitário. Além disso, é interditado atribuir efeitos permanentes a alvará
provisório: "A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária,
insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias" (Súmula 619/STJ).
Com efeito, se o apossamento do espaço urbano público ocorre ilegalmente, incumbe ao
administrador, sob risco de cometimento de improbidade e infração disciplinar, proceder à imediata
demolição de eventuais construções irregulares e à desocupação de bem turbado ou esbulhado. Em
rigor, envidenciaria despropósito estabelecer, no Código de Trânsito Brasileiro (art. 181, VIII, e art.
182, VI, respectivamente), sanção administrativa de multa para quem estacionar veículo no passeio
(infração grave) e mesmo para quem nele simplesmente parar por minutos (infração leve) e, ao
mesmo tempo, admitir a sua ocupação ilícita ou duradoura para fins comerciais (quiosques, trailers)
ou com construções privadas, pouco importando a espécie.
Ademais, o princípio da confiança não socorre quem, em sã consciência ou assumindo os riscos de
sua conduta, ocupa ou usa irregularmente bem público, irrelevante haja pagamento de tributos e
outros encargos, pois prestação pecuniária não substitui licitação e licenciamento. Em tais
circunstâncias, o que se tem é no extremo oposto da régua ético-jurídica confiança na impunidade,
confiança derivada da impunidade e confiança que fomenta a impunidade, exatamente a perversão
da ordem democrática de direito.
TERCEIRA TURMA
PROCESSO REsp 1.612.887-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 07/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO AMBIENTAL
TEMA Dano ambiental. Concessão de licença ambiental. Fato de terceiro capaz de
interromper o nexo causal. Não configuração.
DESTAQUE
O erro na concessão de licença ambiental não configura fato de terceiro capaz de interromper o
nexo causal na reparação por lesão ao meio ambiente.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A exoneração da responsabilidade pela interrupção do nexo causal é admitida na
responsabilidade subjetiva e em algumas teorias do risco que regem a responsabilidade objetiva,
mas não pode ser alegada quando se tratar de dano subordinado à teoria do risco integral.
Os danos ambientais são regidos pela teoria do risco integral, colocando-se aquele que explora a
atividade econômica na posição de garantidor da preservação ambiental, sendo sempre considerado
responsável pelos danos vinculados à atividade, descabendo questionar a exclusão da
responsabilidade pelo suposto rompimento do nexo causal (fato exclusivo de terceiro ou força
maior).
No caso, mesmo que se considere que a instalação do posto de combustível somente tenha
ocorrido em razão de erro na concessão da licença ambiental, é o exercício dessa atividade, de
responsabilidade da recorrente, que gera o risco concretizado no dano ambiental, razão pela qual
não há possibilidade de eximir-se da obrigação de reparar a lesão verificada.
Tal entendimento encontra-se consolidado na jurisprudência desta Corte em diversos julgados,
proferidos, inclusive, em sede de recurso especial repetitivo (Temas 438, 681 e 707 deste STJ), não é
possível ao responsável arguir qualquer causa exonerativa da responsabilidade, que decorre de
mero exercício da atividade de risco ambiental.
PROCESSO REsp 1.693.732-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL
TEMA Usucapião especial urbana. Forma de aquisição da propriedade. Fluência
do prazo prescricional. Causa impeditiva que cessa com a separação
judicial, o divórcio e também com a separação de fato por longo período.
Tratamento isonômico para situações semelhantes.
DESTAQUE
A separação de fato por longo período afasta a regra de impedimento da fluência da prescrição
entre cônjuges prevista no art. 197, I, do CC/2002 e viabiliza a efetivação da prescrição aquisitiva
por usucapião.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a definir se a separação de fato de um casal é suficiente para cessar a
causa impeditiva da fluência do prazo prescricional prevista no art. 197, I, do CC/2002, e, assim,
para deflagrar o cômputo do prazo para a prescrição aquisitiva do imóvel previsto no art. 1.240 do
CC/2002.
Inicialmente, sublinhe-se que duas espécies distintas de prescrição são reguladas pelo CC/2002: a
extintiva, relacionada ao escoamento do lapso temporal para que se deduza judicialmente pretensão
decorrente de violação de direito (arts. 189 a 206) e a aquisitiva, relacionada à forma de aquisição
da propriedade pela usucapião (arts. 1.238 a 1.244).
Nesse cenário, é importante destacar que a causa impeditiva de fluência do prazo prescricional
prevista no art. 197, I, do CC/2002, conquanto topologicamente inserida no capítulo da prescrição
extintiva, também se aplica às prescrições aquisitivas, ou seja, à usucapião, na forma do art. 1.244 do
CC/2002.
Superada essa questão, é preciso examinar, ainda, se a "constância da sociedade conjugal", exigida
na regra que impede a fluência do prazo da prescrição aquisitiva entre cônjuges, cessa somente com
a separação de fato, ou se é indispensável que tenha havido divórcio ou separação.
Nesse contexto, é bem verdade que a regra do art. 1.571, III e IV, do CC/2002, prevê que a
sociedade conjugal terminará pela separação judicial ou pelo divórcio, não prevendo textualmente o
término da sociedade conjugal somente pela separação de fato.
Nesse ponto, não se pode olvidar que a Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.660.947/TO,
reconheceu a possibilidade de afastar a regra de impedimento da fluência da prescrição entre
cônjuges a partir da separação de fato.
Extrai-se da ratio decidendi do referido julgado que a regra do art. 197, I, do Código Civil, está
assentada em razões de ordem moral e busca a preservação da confiança, do afeto, da harmonia e da
estabilidade do vínculo conjugal, que seriam irremediavelmente abalados na hipótese de
ajuizamento de ações judiciais de um cônjuge em face do outro ainda na constância da sociedade
conjugal.
Ocorre que a separação de fato por longo período, como bem destaca o mencionado precedente,
produz exatamente o mesmo efeito das formas textualmente previstas no CC/2002 para o término
da sociedade conjugal, não se podendo impor tratamento diferenciado para situações que se
encontram umbilicalmente vinculadas.
Dessa forma, é correto afirmar que o requisito temporal quinquenal estabelecido no art. 1.240,
caput, do CC/2002, pode ser cumprido no período da separação de fato.
PROCESSO REsp 1.833.824-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA Cédula de crédito bancário com alienação fiduciária em garantia.
Inadimplemento. Regime jurídico aplicável. Decreto-Lei n. 911/1969.
Inscrição em órgãos de proteção ao crédito. Possibilidade. Exercício
regular do direito de crédito.
DESTAQUE
O credor fiduciário regido pelo Decreto-Lei n. 911/1969, em caso de inadimplemento contratual,
pode promover a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao
crédito, independentemente de optar pela excussão da garantia ou pela ação de execução.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O propósito recursal consiste em definir se o credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento do
contrato, é obrigado a promover a venda do bem alienado fiduciariamente, antes de proceder à
inscrição dos nomes dos devedores em cadastros de proteção ao crédito.
O debate gira em torno da interpretação do art. 1.364 do CC/2002, segundo o qual "vencida a
dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros,
a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se
houver, ao devedor".
Contudo, no ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade
fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre
coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; e b) o
regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais o
Decreto-Lei n. 911/1969, que trata da propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e
infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito,
restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira.
Assim, em se tratando de alienação fiduciária de coisa móvel infungível envolvendo instituição
financeira, o regime jurídico aplicável é aquele do Decreto-Lei n. 911/1969, devendo as disposições
gerais do Código Civil incidir apenas em caráter supletivo.
Essa aplicação supletiva do Código Civil, todavia, não se faz necessária na espécie, haja vista que o
DL n. 911/69 contém disposição expressa que faculta ao credor fiduciário, na hipótese de
inadimplemento ou mora no cumprimento das obrigações contratuais pelo devedor, optar por
recorrer diretamente à ação de execução, caso não prefira retomar a posse do bem e vendê-lo a
terceiros.
De todo modo, independentemente da via eleita pelo credor, a inscrição dos nomes dos devedores
solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, em razão do incontroverso inadimplemento
do contrato, não se reveste de qualquer ilegalidade, tratando-se de exercício regular do direito de
crédito.
Com efeito, a partir do inadimplemento das obrigações pactuadas pelo devedor, nasce para o
credor uma série de prerrogativas, não apenas atreladas à satisfação do seu crédito em particular
do que é exemplo a excussão da garantia ou a cobrança da dívida , mas também à proteção do
crédito em geral no mercado de consumo.
PROCESSO REsp 1.777.404-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL
TEMA Usucapião especial urbana. Imóvel de utilização mista. Residencial e
comercial. Objeção não existente na legislação de regência.
DESTAQUE
A destinação de parte do imóvel para fins comerciais não impede o reconhecimento da usucapião
especial urbana sobre a totalidade da área.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a discussão a determinar se a área de imóvel objeto de usucapião extraordinária deve
ser usada somente para fins residenciais ou, ao contrário, se é possível usucapir imóvel que apenas
em parte é destinado para fins comerciais.
A modalidade de usucapião de que trata este julgamento é mais conhecida como especial urbana,
constitucional ou ainda pro habitatione, vem regulada na Constituição Federal de 1988, em seu art.
183, §§ 1º ao 3º e pelo Código Civil vigente, em seu art. 1240, §§ 1º e 2º, sendo regulamentada, de
forma mais detalhada pelo Estatuto da Cidade.
A usucapião especial urbana apresenta como requisitos a posse ininterrupta e pacífica, exercida
como dono, o decurso do prazo de cinco anos, a dimensão da área (250 m² para a modalidade
individual e área superior a essa, na forma coletiva), a moradia e o fato de não ser proprietário de
outro imóvel urbano ou rural.
No acórdão recorrido, considerou-se impossível declarar a usucapião de área utilizada para a
bicicletaria operada pela família do recorrente, afirmando que apenas a porção do imóvel utilizada
exclusivamente para sua moradia e de sua família poderia ser adquirida pela usucapião.
No entanto, o requisito da exclusividade no uso residencial não está expressamente previsto em
nenhum dos dispositivos legais e constitucionais que dispõem sobre a usucapião especial urbana.
Assim, o uso misto da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana não impede seu
reconhecimento judicial, se a porção utilizada comercialmente é destinada à obtenção do sustento
do usucapiente e de sua família.
Há, de fato, a necessidade de que a área pleiteada seja utilizada para a moradia do requerente ou
de sua família, mas não se exige que esta área não seja produtiva, especialmente quando é utilizada
para o sustento do próprio recorrente.
PROCESSO REsp 1.720.656-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 07/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO BANCÁRIO
TEMA Compra e venda a prazo. Empresa do comércio varejista. Juros
remuneratórios superiores a 1% ao mês. Impossibilidade. Instituição não
financeira. Art. 2º da Lei n. 6.463/1977. Equiparação. Inviabilidade.
DESTAQUE
Instituição não financeira dedicada ao comércio varejista em geral não pode estipular, em suas
vendas a crédito, pagas em prestações, juros remuneratórios superiores a 1% ao mês, ou a 12% ao
ano.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, no que se refere à Lei n. 6.463/1977, que torna obrigatória a declaração de preço
total nas vendas a prestação, observa-se que foi editada no contexto do esforço do Legislativo de
combater a cobrança de juros remuneratórios extorsivos, oferecendo, à época, aos próprios
consumidores, um meio de controle sobre a exigência de taxas usurárias e atribuindo os encargos da
fiscalização e da regulação ao Ministério da Fazenda.
Contudo, a conversão do projeto de Lei n. 669/1963 na referida lei somente ocorreu em 1977,
após a vigência da Lei n. 4.595/1964, que dispõe sobre a política monetária, dá competência ao
Conselho Monetário Nacional para regulamentar o crédito em todas as suas modalidades, inclusive
limitando as taxas de juros, não tendo havido atualização daquele projeto de lei quanto ao tema.
Assim, a previsão do art. 2º da Lei n. 6.463/1977 faz referência a um sistema obsoleto, em que a
aquisição de mercadorias a prestação dependia da atuação do varejista como instituição financeira e
no qual o controle dos juros estava sujeito ao escrutínio dos próprios consumidores e à regulação e
fiscalização do Ministério da Fazenda.
Depois da Lei n. 4.595/1964, o referido art. 2º da Lei n. 6.463/1977 passou a não mais encontrar
suporte fático apto a sua incidência, sendo, pois, ineficaz, não podendo ser interpretado
extensivamente para permitir a equiparação dos varejistas a instituições financeiras e não
autorizando a cobrança de encargos cuja exigibilidade a elas é restrita.
Com efeito, a cobrança de juros remuneratórios superiores aos limites estabelecidos pelo Código
Civil de 2002 (art. 406 c/c art. 591) é excepcional e deve ser interpretada restritivamente.
Ademais, apenas às instituições financeiras, submetidas à regulação, controle e fiscalização do
Conselho Monetário Nacional, é permitido cobrar juros acima do teto legal, conforme entendimento
consolidado na Súmula 596/STF e precedente da 2ª Seção (AR 4.393/GO, Segunda Seção, DJe
14/04/2016).
Dessa forma, a Lei n. 6.463/1977 não é capaz de ensejar cobrança de juros remuneratórios
superiores aos limites de 1% ao mês ou 12% ao ano nos contratos de compra e venda de
mercadorias à prestação, uma vez que a possibilidade de pactuação pelas taxas médias de mercado é
limitada às instituições financeiras.
PROCESSO REsp 1.774.372-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 18/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA Risco inerente ao medicamento. Dever de informar qualificado. Violação.
Risco do desenvolvimento. Defeito de concepção. Fortuito interno.
Responsabilidade objetiva do fabricante configurada.
DESTAQUE
O laboratório tem responsabilidade objetiva na ausência de prévia informação qualificada quanto
aos possíveis efeitos colaterais da medicação, ainda que se trate do chamado risco de
desenvolvimento.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a definir a responsabilidade do laboratório por medicamento fabricado e
comercializado, com exclusividade, que teria causado ao paciente o quadro compulsivo e
incontrolável conhecido como jogo patológico, o qual, por sua vez, acarretou-lhe a dilapidação de
todo o seu patrimônio.
Cabe ressaltar, de plano, a incidência do Código de Defesa do Consumidor, pois revela, em
princípio, típica hipótese de acidente de consumo, mais especificamente de fato do produto,
considerando a alegação de que o medicamento fabricado pelo laboratório não teria oferecido a
segurança que dele legitimamente se podia esperar, em virtude da falta de esclarecimentos sobre os
riscos relacionados ao seu uso, em especial, sobre o jogo patológico.
Não se desconhece que todo medicamento traz em si, em maior ou menor grau, riscos à saúde ou
à segurança do consumidor, intrínsecos à sua essência, mas que são razoavelmente aceitos diante
dos benefícios esperados.
Esse risco inerente ao produto comercializado impõe, em contrapartida, um dever de informar
qualificado, exigindo o art. 9º do CDC que o fornecedor preste esclarecimentos ostensivos e
adequados a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras
medidas cabíveis em cada caso. A violação desse dever de informar qualificado está prevista no § 1º,
II, do art. 12 do CDC como hipótese de defeito do produto, ensejando a responsabilidade objetiva do
fornecedor pelo evento danoso dele decorrente.
Assim, o fato de o uso de um medicamento causar efeitos colaterais ou reações adversas, por si só,
não configura defeito do produto, se o usuário foi prévia e devidamente informado e advertido
sobre tais riscos inerentes, de modo a poder decidir, de forma livre, refletida e consciente, sobre o
tratamento que lhe é prescrito, além de ter a possibilidade de mitigar eventuais danos que viessem a
ocorrer em função dele.
Por sua vez, o risco do desenvolvimento, entendido como aquele que não podia ser conhecido ou
evitado no momento em que o medicamento foi colocado em circulação, constitui defeito existente
desde o momento da concepção do produto, embora não perceptível a priori, caracterizando
hipótese de fortuito interno.
Dessa forma, o desconhecimento quanto à possibilidade de desenvolvimento do jogo patológico
como reação adversa ao uso do medicamento subtraiu do paciente a capacidade de relacionar, de
imediato, o transtorno mental e comportamental de controle do impulso ao tratamento médico ao
qual estava sendo submetido, sobretudo por se tratar de um efeito absolutamente anormal e
imprevisível para o consumidor leigo e desinformado.
PROCESSO REsp 1.794.991-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA Compra pela internet. Falha grosseira no sistema de carregamento de
preços. Valor muito aquém do praticado por outras empresas. Não
conclusão da transação. Comunicação rápida ao consumidor. Princípio da
vinculação da oferta (art. 30 do CDC). Não violação.
DESTAQUE
O erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços e a rápida comunicação ao consumidor
podem afastar a falha na prestação do serviço e o princípio da vinculação da oferta.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Registra-se, de início, que o Código de Defesa do Consumidor não é somente um conjunto de
artigos que protege o consumidor a qualquer custo. Antes de tudo, ele é um instrumento legal que
pretende harmonizar as relações entre fornecedores e consumidores, sempre com base nos
princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual. Isso quer dizer que referida legislação é
principiológica, não sendo sua principal função resolver todos os problemas que afetam os
consumidores, numa fúria disciplinadora. Nela, em verdade, fizeram-se constar princípios
fundamentais básicos, como a harmonia entre consumidor e fornecedor, a boa-fé e o equilíbrio nas
relações negociais, a interpretação mais favorável do contrato, dentre outros.
No caso, os consumidores promoveram a reserva de bilhetes aéreos com destino internacional a
preço muito aquém do praticado por outras empresas aéreas, não tendo sequer havido a emissão
dos bilhetes eletrônicos (e-tickets) que pudessem formalizar a compra.
Agrega-se o fato de que os valores sequer foram debitados do cartão de crédito e, em curto
período, os consumidores receberam e-mail informando a não conclusão da operação.
Nesse contexto, é inadmissível que, diante de inegável erro sistêmico grosseiro no carregamento
de preços, possa se reconhecer a falha da prestação dos serviços das empresas, que prontamente
impediram o lançamento de valores na fatura do cartão de crédito utilizado, informando, ainda, com
antecedência necessária ao voo, o cancelamento da operação. Por conseguinte, não há que se falar
em violação do princípio da vinculação da oferta (art. 30 do CDC).
PROCESSO REsp 1.685.098-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020,
DJe 07/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO EMPRESARIAL
TEMA Acionista minoritário de sociedade anônima de capital aberto. Investidor.
Ações negociadas no mercado de valores mobiliários. Relação empresarial.
Código de Defesa do Consumidor. Não incidência.
DESTAQUE
Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre acionistas investidores e a
sociedade anônima de capital aberto com ações negociadas no mercado de valores mobiliários.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a perquirir se incidentes, na relação entre o investidor acionista e a
sociedade anônima, as regras protetivas do direito do consumidor, a ensejar, em consequência, a
inversão do ônus da prova do pagamento de dividendos pleiteado na via judicial
A jurisprudência desta Corte orienta-se pela teoria finalista ou subjetiva, segundo a qual releva,
para efeitos de incidência das normas protetivas, a condição de destinatário final da pessoa física ou
jurídica. Desse modo, segundo a teoria subjetiva ou finalista, destinatário final é aquele que ultima a
atividade econômica, isto é, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo,
suprindo uma necessidade ou satisfação própria.
Em síntese, a característica distintiva da teoria finalista está no fato de o ato de consumo não
integrar a atividade negocial visando ao lucro.
No caso, trata-se de aquisição de ações no mercado mobiliário, cujo objetivo primordial é
obviamente a obtenção de lucro, a afastar a condição de consumidor do investidor acionista.
Embora a Súmula n. 297/STJ estabeleça que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às
instituições financeiras, não é possível identificar, na atividade de aquisição de ações, nenhuma
prestação de serviço por parte da instituição financeira, mas relação de cunho puramente societário
e empresarial.
A não adequação aos conceitos legais de consumidor e fornecedor descaracteriza a relação
jurídica de consumo, afastando-a do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
A propósito, vale citar o Enunciado n. 19 da I Jornada de Direito Comercial: "Não se aplica o CDC
às relações entre sócios e acionistas ou entre eles e a sociedade".
Logo, afastada a relação de consumo do investidor, acionista minoritário de sociedade anônima,
caberia a ele provar o fato constitutivo do seu direito, a teor do que dispõe o artigo 373 do Código de
Processo Civil de 2015 ("O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu
direito;"), sendo incabível a inversão do ônus da prova.
PROCESSO REsp 1.730.682-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO EMPRESARIAL
TEMA Nota promissória. Disparidade de datas de vencimento. Defeito suprível.
Lei Uniforme de Genebra - LUG. Arts. 6º, alínea 1ª e 76, alínea 1ª.
Prevalência da data posterior. Presunção de vontade do emitente.
DESTAQUE
Diante da divergência entre as expressões numérica e por extenso da data de vencimento de nota
promissória, deve-se presumir que a efetiva vontade do emitente das notas era a de que o
vencimento se desse após a emissão, prevalecendo, assim, a segunda e mais futura data de
vencimento.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia consiste em determinar se, diante da divergência entre as expressões numérica e
por extenso da data de vencimento de nota promissória, deve prevalecer a data aposta por extenso
na cártula, por aplicação analógica do art. 6º da Lei Uniforme de Genebra - LUG.
A norma do art. 6º, alínea 1ª, da LUG, considerou que divergências na expressão do valor da
dívida deveriam dar ensejo à preservação da vontade presumida do emitente da cártula,
estabelecida pela lei como a expressão por extenso ou a menos valiosa.
Assim, embora a LUG não tenha enfrentado a hipótese de divergência entre datas de vencimento
da dívida, deve-se considerar que esse vício é um defeito suprível haja vista que a data de
vencimento não é pressuposto essencial da nota promissória, segundo o art. 76, alínea 1ª, da LUG ,
cuja solução, decorrentes da disparidade entre a expressão numérica e a por extenso da data em que
a dívida se torna exigível, deduzida da interpretação sistemática da norma, deve conduzir para a
preservação da vontade presumida do emitente no momento da confecção do documento.
A nota promissória é um título de crédito próprio, e, como tal, se propõe à concessão de um prazo
para o pagamento, distinto da data da emissão da cártula, de forma que não faz sentido a emissão de
uma nota promissória com data de vencimento coincidente com a data de emissão.
Portanto, se a LUG não tem disposição expressa sobre a disparidade de expressões da data de
vencimento da dívida, deve prevalecer a interpretação que empreste validade à manifestação de
vontade cambial de uma promessa futura de pagamento, a qual, na nota promissória, envolve,
necessariamente, a concessão de um prazo para a quitação da dívida.
Assim, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título não
existindo, assim, como se entrever uma operação de crédito , deve prevalecer a data mais posterior,
ainda que expressa numericamente, já que, por ser futura, admite ser presumida como a efetiva
manifestação de vontade do emitente.
PROCESSO REsp 1.689.187-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma,
por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
TEMA Recuperação judicial. Alienação de unidade produtiva isolada.
Modalidades previstas pelo art. 142 da Lei n. 11.101/2005. Regra.
Utilização de outras modalidades. Exceção. Comprovação de necessidade.
DESTAQUE
A alienação de unidades produtivas isoladas prevista em plano de recuperação judicial aprovado
apenas pode adotar outras modalidades de alienação em situações excepcionais, que devem estar
explicitamente justificadas na proposta apresentadas aos credores, a despeito do que previsto no
art. 60 e 142 da Lei n. 11.101/2005.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
De acordo com o art. 60 da Lei n. 11.101/2005, no caso de o plano de recuperação judicial
(aprovado) prever a alienação de unidade produtiva isolada, o juiz determinará sua realização em
observância ao disposto no art. 142, que trata, em síntese, da alienação por hasta pública (leilão,
propostas e pregão).
A despeito de a transparência e a concorrência estarem melhor garantidas com a realização de
hasta pública para a alienação de unidades produtivas, sendo essa a regra que deve ser aplicada na
maior parte dos casos, existem situações em que a flexibilização da forma de alienação, nos termos
do art. 145 da LRF, é a única maneira de viabilizar a venda.
As condições do negócio, nessas circunstâncias, devem estar descritas minuciosamente no plano
de recuperação judicial, de modo que os credores possam avaliar sua viabilidade e o juiz verificar a
legalidade do procedimento. A votação deste ponto deve se dar de forma destacada e alcançar a
aprovação de maioria substancial dos credores (art. 46 da LRF), garantindo a anuência específica à
forma de negociação escolhida.
PROCESSO REsp 1.860.368-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
TEMA Recuperação judicial. Créditos lastreados em contratos de fiança bancária.
Inexistência do crédito à época da formulação do pedido recuperacional.
Art. 49 da Lei n. 11.105/2015. Não submissão.
DESTAQUE
Os créditos lastreados em contratos de fiança bancária, firmados para garantia de obrigação
contraída, não estão submetidos aos efeitos da recuperação judicial.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a definir se créditos lastreados em contratos de fiança bancária, firmados
para garantia de obrigação contraída, submetem-se ou não aos efeitos de sua recuperação judicial.
Como é cediço, a fiança é espécie de garantia pessoal por meio da qual alguém (fiador) garante, ao
credor, a satisfação de uma obrigação assumida por terceiro (devedor-afiançado), na hipótese de
este não cumpri-la conforme acordado (art. 818 do CC/2002). Por meio da fiança, contrato de
natureza acessória, o sujeito passivo da relação jurídica (fiador) assume a responsabilidade pelo
adimplemento de uma prestação a que se obrigou o devedor original.
Segundo a doutrina, "a responsabilidade é um estado potencial, cujos efeitos não se realizam
imediatamente. Há um estado inicial de pendência, em que não há constrição patrimonial, nem
existe certeza de que haverá no futuro".
No caso, para garantir obrigação contraída perante terceiros, a recorrente (devedora-afiançada),
em momento anterior à protocolização de seu pedido de recuperação judicial, firmou os contratos
de prestação de fiança com a instituição financeira recorrida.
O texto normativo do caput do art. 49 da Lei n. 11.105/2005 estabelece que se sujeitam à
recuperação judicial do devedor todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não
vencidos.
A condição de credor somente pode ser atribuída a alguém a partir do momento em que seja
titular de um crédito em face de outrem. Não existe credor se não existir crédito.
Tratando-se de contrato de fiança o fiador só se tornará credor do afiançado se e quando
promover o pagamento de dívida não adimplida pelo devedor original da obrigação principal
(objeto da garantia).
Transpondo-se essa sutuação para o caso dos autos, tem-se que a instituição financeira fiadora
apenas passou a ostentar a condição de credora da afiançada (recuperanda) depois que honrou o
débito por esta não pago, a seu tempo e modo, ao credor da obrigação afiançada. A
existência/constituição do negócio jurídico (fiança) não pode ser confundida com a
existência/constituição do crédito.
À data do pedido de recuperação judicial, o banco emitente das cartas-fiança não era titular dos
créditos contra a sociedade recuperanda. Vale salientar, por fim, que esse entendimento foi o que
serviu de orientação para esta Corte concluir que a submissão ao processo de soerguimento de
crédito decorrente de responsabilidade civil condiciona-se ao evento danoso ter corrido em
momento anterior à data do pedido de recuperação judicial (REsp 1.447.918/SP, Quarta Turma, Dje
16/5/2016).
PROCESSO REsp 1.833.935-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma,
por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA Cumprimento de sentença. Direito intertemporal. Prazo para pagamento
voluntário transcorrido sob a égide do CPC/1973. Impugnação oferecida
na vigência do CPC/2015. Intimação específica do executado para
impugnação ao cumprimento de sentença. Necessidade.
DESTAQUE
Após a entrada em vigor do CPC/2015, o juiz deve intimar o executado para apresentar
impugnação ao cumprimento de sentença, caso tenha transcorrido o prazo para cumprimento
espontâneo da obrigação na vigência do CPC/1973.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Controvérsia de direito intertemporal acerca da norma processual aplicável à impugnação ao
cumprimento de sentença, na hipótese em que o prazo para pagamento voluntário findou-se na
vigência do CPC/1973.
Inicialmente, registre-se que nos termos do art. 475-J do CPC/1973, o prazo para impugnação ao
cumprimento de sentença somente era contado a partir da intimação do auto de penhora e
avaliação.
Por sua vez, nos termos do art. 525 do CPC/2015, "Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem
o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado,
independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação".
No caso, apesar da entrada em vigor do novo CPC, o recorrente não apresentou impugnação, na
expectativa de que o prazo fosse computado a partir da penhora, como era a regra durante a
vigência do CPC/1973. A penhora veio a ocorrer meses depois, por meio do bloqueio de depósitos
em conta corrente, tendo o executado sido intimado em 11/11/2016, apenas para impugnar a
ordem de indisponibilidade (não ainda da penhora), pois a intimação fez referência ao art. 854, § 2º
e 3º, do CPC/2015.
Contudo, em 06/12/2016, o recorrente ofereceu impugnação ao cumprimento de sentença, a qual
o Tribunal de origem julgou intempestiva, por considerar aplicável ao caso o CPC/2015, sendo,
portanto, desnecessária a penhora para deflagração do prazo para impugnação, de modo que o
prazo já estaria há muito tempo exaurido.
A questão se situa numa zona cinzenta de aplicação do direito intertemporal. Deveras, por um
lado, seria o caso de se aplicar a regra geral da aplicabilidade imediata da nova norma processual,
por meio da técnica do isolamento dos atos processuais, ex vi do art. 14 c/c art. 1.046 do CPC/2015.
Por outro lado, a aplicação do ultrativa CPC/1973 para reger a impugnação de sentença após a
entrada em vigor do CPC/2015 não parece adequada, pois a impugnação, antes da entrada em vigor
do CPC/2015, era evento futuro e incerto, na medida em que dependia da ocorrência de penhora, e,
sendo fato futuro, seria o caso de aplicação da lei nova (tempus regit actum).
Ademais, a aplicação do CPC/1973 traria o inconveniente de deixar a lei antiga, em tese, com uma
ultratividade indefinida no tempo, uma vez que não se sabe, de antemão, se nem quando ocorrerá a
penhora.
Essa dificuldade de se aplicar a técnica de direito intertemporal do isolamento dos atos
processuais decorre da conexidade existente entre a intimação para pagamento voluntário e a
posterior impugnação ao cumprimento de sentença, na medida em que, tanto no CPC revogado
como no vigente, o decurso do prazo para pagamento é condição para a impugnação ao
cumprimento de sentença.
Desse modo, há necessidade de se buscar uma compatibilização entre as regras da lei nova e as da
lei velha, na hipótese de conexidade entre atos processuais, pois a técnica do isolamento dos atos
processuais não é suficiente para resolver adequadamente o problema da lei processual aplicável.
Nesse passo, uma proposta compatibilização específica para o caso da impugnação ao
cumprimento de sentença foi elaborada pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis - FPPC.
Trata-se do Enunciado 530: "Após a entrada em vigor do CPC-2015, o juiz deve intimar o executado
para apresentar impugnação ao cumprimento de sentença, em quinze dias, ainda que sem depósito,
penhora ou caução, caso tenha transcorrido o prazo para cumprimento espontâneo da obrigação na
vigência do CPC-1973 e não tenha àquele tempo garantido o juízo".
Como se verifica no enunciado transcrito, essa proposta, por um lado, elimina a possibilidade de
aplicação retroativa do CPC/2015, na medida em que o prazo começa a ser contado de uma
intimação a ser realizada na vigência do CPC/2015, não a partir do fim do prazo para pagamento
voluntário, ocorrido na vigência do CPC/1973. Por outro lado, elimina também a já mencionada
ultratividade indefinida do CPC/1973, caso se entendesse por aplicar o código revogado.
Além disso, a exigência de uma intimação confere segurança jurídica às partes, evitando que seus
interesses sejam prejudicados pelo simples fato de seu caso estar situado em uma zona cinzenta da
aplicação do direito intertemporal.
Por fim, vale destacar que a intimação ora proposta somente é aplicável na transição do
CPC/1973 para o CPC/2015, pois, para os casos integralmente regidos pelo CPC/2015, não há
previsão dela (cf. art. 525 do CPC/2015).
QUARTA TURMA
PROCESSO AgInt no REsp 1.833.847-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma,
por unanimidade, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL
TEMA Responsabilidade civil. Quitação plena e geral de acordo extrajudicial.
Ajuizamento de ação para ampliar verba indenizatória. Impossibilidade.
Curto espaço de tempo entre o acidente e a assinatura do acordo.
Desconhecimento da integralidade do dano. Excepcionalidade configurada.
DESTAQUE
O curto espaço de tempo entre o acidente e a assinatura do acordo e o desconhecimento da
integralidade dos danos podem excepcionar a regra de que a quitação plena e geral desautoriza o
ajuizamento de ação para ampliar a verba indenizatória aceita e recebida.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, em regra, a quitação ampla,
geral e irrevogável efetivada em acordo extrajudicial deve ser presumida válida e eficaz, não se
autorizando o ingresso na via judicial para ampliar verbas indenizatórias anteriormente aceitas e
recebidas.
Contudo, em determinadas situações particulares, a jurisprudência aponta para adoção de
solução distinta, como nas hipóteses de acréscimo da incapacidade parcial apurada em laudo
médico posterior, seguro obrigatório pago a menor e expurgos inflacionários não pagos em
restituição de reserva de poupança.
No caso, o acordo foi celebrado em data muito próxima à do acidente, não havendo conhecimento
da integralidade do prejuízo sofrido. Nota-se, portanto, situação excepcional que justifica a restrição
da plena validade do ato de quitação.
PROCESSO HC 561.257-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade,
julgado em 05/05/2020, DJe 08/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA Execução de alimentos. Prisão civil. Pandemia de Covid-19. Risco de
contágio. Prisão domiciliar.
DESTAQUE
Diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos esforços expendidos
pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, é recomendável o cumprimento da
prisão civil por dívida alimentar em prisão domiciliar.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O contexto atual de gravíssima pandemia devido ao chamado coronavírus desaconselha a
manutenção do devedor em ambiente fechado, insalubre e potencialmente perigoso, devendo ser
observada a decisão proferida pelo ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, publicada em
30/03/2020, nos autos do Habeas Corpus nº 568.021/CE, no qual se estendeu a todos os presos por
dívidas alimentícias no país a liminar deferida no mencionado writ, no sentido de garantir prisão
domiciliar, em razão da pandemia de Covid-19.
No sentido da relativização do regime prisional previsto no § 4º do art. 528 do CPC/2015,
enquanto viger a pandemia do Covid-19, vale mencionar as decisões monocráticas proferidas no
RHC 106.403/SP (Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de 23/04/2020); no RHC 125.728 (Rel.
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 16/04/2020); no HC 561.813/MG (Rel. Ministro Luis
Felipe Salomão, DJe de 02/04/2020); e no RHC 125.395 (Rel. Ministro Raul Araújo, DJe de
02/04/2020).
PROCESSO AgInt no REsp 1.807.990-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma,
por unanimidade, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA Ação civil pública. Plano de saúde. Demanda coletiva. Execução individual.
Prazo prescricional específico. Prescrição quinquenal.
DESTAQUE
O prazo para execução individual de sentença proferida contra planos de saúde em ação civil pública
é de cinco anos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
"Na falta de dispositivo legal específico para a ação civil pública, aplica-se, por analogia, o prazo
de prescrição da ação popular, que é o quinquenal (art. 21 da Lei n. 4.717/1965), adotando-se
também tal lapso na respectiva execução, a teor da Súmula 150/STF. A lacuna da Lei n. 7.347/1985
é melhor suprida com a aplicação de outra legislação também integrante do microssistema de
proteção dos interesses transindividuais, como os coletivos e difusos, a afastar os prazos do Código
Civil, mesmo na tutela de direitos individuais homogêneos (pretensão de reembolso dos usuários de
plano de saúde que foram obrigados a custear lentes intraoculares para a realização de cirurgias de
catarata)" (REsp 1473846/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em
21/2/2017, DJe 24/2/2017).
Assim, a despeito da existência de recurso especial julgado sob o rito dos recursos repetitivos
sobre a prescrição trienal para ações de cobrança contra plano de saúde, nota-se que esse versou
sobre as ações ordinárias individuais, de modo que o entendimento referente à aplicação do prazo
quinquenal às tutelas coletivas é específico e, consequentemente, prevalece no caso.
QUINTA TURMA
PROCESSO AgRg no REsp 1.850.903-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta
Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 30/04/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
TEMA Multa. Natureza de sanção penal. Extinção da punibilidade. Pagamento.
Necessidade. Adequação ao entendimento do STF. ADI n. 3.150/DF.
DESTAQUE
Em adequação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, o inadimplemento da pena de
multa obsta a extinção da punibilidade do apenado.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Terceira Seção desta Corte Superior, sob a égide dos recursos repetitivos, firmou
posicionamento no sentido de que, uma vez extinta, pelo seu cumprimento, a pena privativa de
liberdade ou a restritiva de direitos que a substituir, o inadimplemento da pena de multa não obsta
a extinção da punibilidade do apenado, porquanto, após a nova redação dada ao art. 51 do Código
Penal, pela Lei n. 9.268/1996, a pena pecuniária passou a ser considerada dívida de valor,
adquirindo caráter extrapenal.
Porém, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI n. 3.150/DF, declarou que, à luz do preceito
estabelecido pelo inciso XLVI do art. 5º da Constituição Federal, a multa, ao lado da privação de
liberdade e de outras restrições (perda de bens, prestação social alternativa e suspensão ou
interdição de direitos), é espécie de pena aplicável em retribuição e em prevenção à prática de
crimes, não perdendo sua natureza de sanção penal.
Em recente julgado, a Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça já alterou o entendimento
sobre a matéria, acompanhando a Corte Suprema.
Dessarte, as declarações de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade são dotadas de
eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário. Assim, não se
pode mais declarar a extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da pena privativa de
liberdade quando pendente o pagamento da multa criminal.
PROCESSO AgRg no AREsp 1.626.825-GO, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, por
unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 13/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Violência doméstica e familiar contra mulher. Delito praticado por neto
contra avó. Situação de vulnerabilidade. Lei n. 11.340/2006.
Aplicabilidade.
DESTAQUE
Constatada situação de vulnerabilidade, aplica-se a Lei Maria da Penha no caso de violência do
neto praticada contra a avó.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Lei Maria da Penha objetiva proteger a mulher da violência doméstica e familiar que, cometida
no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, cause-lhe
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial. Estão no âmbito
de abrangência do delito de violência doméstica, podendo integrar o polo passivo da ação delituosa
as esposas, as companheiras ou amantes, bem como a mãe, as filhas, as netas, a sogra, a avó, ou
qualquer outra parente que mantenha vínculo familiar ou afetivo com o agressor.
Ainda nesse sentido, é necessária a demonstração da motivação de gênero ou da situação de
vulnerabilidade que caracterize a conjuntura da relação íntima do agressor com a vítima.
Com efeito, se, no âmbito da unidade doméstica, a vítima encontrar-se em situação de
vulnerabilidade decorrente de vínculo familiar, configura-se o contexto descrito no artigo 5º da Lei
n. 11.340/2006.
SEXTA TURMA
PROCESSO HC 528.851-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 12/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL
TEMA Tráfico de drogas. Dependências ou imediações de igrejas. Causa de
aumento de pena. Art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006. Não incidência.
DESTAQUE
Não incide a causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 em
caso de tráfico de drogas cometido nas dependências ou nas imediações de igreja.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, cumpre salientar que, segundo a jurisprudência desta Corte, para o reconhecimento
da majorante prevista no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas, não é necessária a comprovação da
efetiva mercancia nos locais elencados na lei, tampouco que a substância entorpecente atinja,
diretamente, os trabalhadores, os estudantes, as pessoas hospitalizadas etc., sendo suficiente que a
prática ilícita ocorra nas dependências, em locais próximos ou nas imediações de tais localidades.
No caso, nas imediações onde ocorreram os fatos, havia duas igrejas, estabelecimentos que, no
entanto, não se enquadram em nenhum dos locais previstos pelo legislador no referido inciso.
Decerto, a razão de ser dessa causa especial de aumento de pena é a de punir, com maior rigor,
aquele que, nas imediações ou nas dependências dos locais especificados no inciso III do art. 40 da
Lei n. 11.343/2006, dada a maior aglomeração de pessoas, tem como mais ágil e facilitada a prática
do tráfico de drogas (aqui incluídos quaisquer dos núcleos previstos no art. 33 da citada lei),
justamente porque, em localidades como tais, é mais fácil para o traficante passar despercebido à
fiscalização policial, além de ser maior o grau de vulnerabilidade das pessoas reunidas em
determinados lugares.
No entanto, segundo a doutrina, "em matéria penal, por força do princípio da reserva legal, não é
permitido, por semelhança, tipificar fatos que se localizam fora do raio de incidência da norma,
elevando-os à categoria de delitos. No que tange às normas incriminadoras, as lacunas, porventura
existentes, devem ser consideradas como expressões da vontade negativa da lei. E, por isso,
incabível se torna o processo analógica. Nestas hipóteses, portanto, não se promove a integração da
norma ao caso por ela não abrangido".
Assim, caso o legislador quisesse punir de forma mais gravosa também o fato de o agente cometer
o delito nas dependências ou nas imediações de igreja, o teria feito expressamente, assim como o fez
em relação àquele que pratica o crime nas dependências ou nas imediações de estabelecimentos
prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais,
recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem
espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de
drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos.
Ademais, no Direito Penal incriminador não se admite a analogia in malam partem, não se deve
inserir no rol das majorantes o fato de o agente haver cometido o delito nas dependências ou nas
imediações de igreja.
PROCESSO AgRg no AREsp 885.281-ES, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta
Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 08/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL
TEMA Posse de arma de fogo de uso permitido. Registro vencido. Irregularidade
administrativa. Porte ilegal de arma de fogo. Porte ilegal de arma de fogo
de uso restrito. Tipicidade. Inaplicabilidade do entendimento firmado no
julgamento da Ação Penal n. 686/AP.
DESTAQUE
Caracteriza ilícito penal a posse ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003) ou de arma
de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei n. 10. 826/2003) com registro de cautela vencido.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no julgamento da Ação Penal n. 686/AP,
que, uma vez realizado o registro da arma, o vencimento da autorização não caracteriza ilícito penal,
mas mera irregularidade administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação de multa
(APn n. 686/AP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de 29/10/2015).
Tal entendimento, todavia, é restrito ao delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido
(art. 12 da Lei n. 10.826/2003), não se aplicando ao crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da
Lei n. 10.826/2003), muito menos ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16
da Lei n. 10.826/2003), cujas elementares são diversas e a reprovabilidade mais intensa.
RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO
PROCESSO ProAfR no REsp 1.619.265-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira
Seção, por unanimidade, julgado em 07/04/2020, DJe 18/05/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
TEMA A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao
rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a
respeito da seguinte controvérsia: "Para ensejar a aplicação de causa de
aumento de pena prevista no art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006 ou a
condenação pela prática do crime previsto no art. 244-B da Lei n.
8.069/1990, a qualificação do menor, constante do boletim de ocorrência,
deve trazer dados indicativos de consulta a documento hábil - como o
número do documento de identidade, do CPF ou de outro registro formal,
tal como a certidão de nascimento".