Semelhanças entre as ações constitucionais: ADI, ADC e ADPF

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Introdução

O controle de constitucionalidade é um pilar fundamental do sistema jurídico brasileiro, garantindo a supremacia da Constituição Federal. Neste estudo, exploraremos as principais características e pontos de convergência entre as Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Compreender o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) e os detalhes dessas ações constitucionais é crucial para operadores do Direito e interessados em Direito Constitucional.

1 – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI)

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) é uma das ferramentas mais importantes para a defesa da Constituição.

1.1 – Objeto da ADI: O que pode ser questionado?

Prevista na Lei nº 9.868/1999, a ADI visa à declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo que seja incompatível com a Constituição Federal. O objeto pode ser uma lei ou ato normativo emanado do Poder Público nas esferas federal, estadual ou municipal.

O Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que não admite ADI contra lei ou ato normativo revogado, que tenha exaurido sua eficácia ou quando há perda superveniente do objeto. Isso se justifica pela segurança jurídica, evitando a apreciação de questões que não produzem mais efeitos no ordenamento.

1.2 – Competência para Julgar a ADI: O Papel do STF

Conforme o art. 102, I, "a", da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal é o órgão competente para processar e julgar, originariamente, a Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.

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Alexandre de Moraes (2018, p. 998) esclarece que "o autor da ação pede ao STF que examine a lei ou o ato normativo federal ou estadual em tese (não existe caso concreto a ser solucionado)". O objetivo, portanto, é a invalidação de leis ou atos normativos que contenham vícios de inconstitucionalidade, retirando-os do ordenamento jurídico em nome da segurança jurídica.

1.3 – Legitimados para Propor a ADI: Quem pode acionar o STF?

O art. 103 da Constituição Federal define taxativamente os legitimados para propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade:

  • Legitimados Universais (não precisam comprovar pertinência temática):
  • Legitimados com Necessidade de Pertinência Temática (interesse direto na causa):
    • Mesa da Assembleia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal;
    • Governador de Estado ou do Distrito Federal;
    • Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;

1.4 – Decisão, Efeitos e Informações Complementares da ADI

Para a instalação da sessão de julgamento da ADI, o art. 97 da Constituição combinado com o art. 22 da Lei nº 9.868/99 exige a presença mínima de oito ministros do STF.

  • Impossibilidade de Desistência: Celso de Mello (2018) destaca que, uma vez que a ADI chega ao STF, o "princípio da indisponibilidade do interesse público" prevalece, impedindo a desistência da ação.
  • Não Admissão de Intervenção de Terceiros (com exceção): A ADI não admite, via de regra, a intervenção de terceiros que não estejam no rol do art. 103 da CF (art. 7º, caput, da Lei nº 9.868/99). Contudo, o § 2º do mesmo artigo abre exceção para o amicus curiae (amigo da corte), que pode ser admitido pelo relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade do postulante. A função do amicus curiae, segundo Humberto Dalla Bernardina de Pinho (2020, p. 306), é "pluralizar o debate, objetivando subsidiar o magistrado com o maior número possível de elementos".
  • Julgamento Conjunto: Havendo duas ADI's impugnando o mesmo dispositivo legal, elas serão julgadas em conjunto (Gilmar Mendes, 2012, p. 1621). Se as ações forem ajuizadas em corte estadual e no STF, o julgamento no tribunal estadual será suspenso aguardando a decisão do STF, como visto na ADI 1423 MC.
  • Efeitos da Decisão: As decisões que declaram a inconstitucionalidade em controle abstrato de atos ou leis possuem efeitos:
    • Erga omnes: Contra todos.
    • Ex tunc: Retroativo, tornando nulas as leis e atos desde sua origem, alcançando inclusive sentenças judiciais transitadas em julgado (Moraes, 2018, p. 1021).
    • Vinculante: Obriga o cumprimento estrito por parte do Poder Judiciário e Executivo.
    • Repristinatório: Restaura a validade da norma anterior revogada pela lei inconstitucional (salvo modulação).
  • Irrecorribilidade da Decisão: A decisão proferida em ADI é irrecorrível (art. 26 da Lei nº 9.868/99), admitindo-se apenas embargos de declaração para sanar obscuridade, contradição ou omissão.

2 – AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC)

A Ação Declaratória de Constitucionalidade é o reverso da ADI, buscando a confirmação da conformidade da norma com a Constituição.

2.1 – Objeto da ADC: A Busca pela Confirmação Constitucional

Também prevista na Lei nº 9.868/1999, a ADC tem por objeto a obtenção da declaração de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Gilmar Mendes amplia o conceito de "lei ou ato normativo federal" para incluir emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias, tratados internacionais, decretos executivos autônomos e resoluções de órgãos do Poder Judiciário.

  • É importante ressaltar que a ADC se restringe a leis ou atos normativos federais, não abrangendo a produção legislativa dos Estados e Municípios, em respeito ao art. 102, I, "a", da CF.
  • Para que a ADC seja apreciada pelo STF, é indispensável que haja controvérsia judicial relevante sobre a constitucionalidade da norma, ou seja, diversas ações tramitando sobre o mesmo tema. Uma mera divergência doutrinária não é suficiente.
  • Embora as leis sejam presumidamente constitucionais (presunção relativa, juris tantum), o objetivo da ADC, segundo Lenza (2018, p. 397), é "transformar uma presunção relativa de constitucionalidade em absoluta (jure et de jure), não mais se admitindo prova em contrário".

2.2 – Competência para Julgar a ADC: Exclusividade do STF

A competência para processar e julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade é exclusiva do Supremo Tribunal Federal, assim como na ADI, conforme o art. 102, I, "a", da Carta Política.

2.3 – Legitimados para Propor a ADC: Os Mesmos da ADI

Os legitimados para propor a ADC são os mesmos da ADI genérica, elencados no art. 103 da Constituição Federal, incluindo os legitimados universais e aqueles que necessitam comprovar pertinência temática.

2.4 – Decisão, Efeitos e Informações Complementares da ADC

Havendo controvérsia judicial e instaurada a ADC, o STF citará o Procurador-Geral da República para se manifestar em 15 dias.

  • Desistência e Intervenção de Terceiros: As regras sobre a impossibilidade de desistência e a admissão do amicus curiae são as mesmas aplicáveis à ADI.
  • Quórum de Julgamento: A sessão do STF para declarar a constitucionalidade exige a presença mínima de oito ministros.
  • Efeitos da Decisão: A decisão que declara a constitucionalidade gera efeitos:
    • Erga omnes: Contra todos.
    • Vinculantes: Obriga o Poder Judiciário e o Executivo (nas esferas federal, estadual e municipal).
    • Ex tunc: Retroativos.
    • Não possui efeito repristinatório, diferentemente da ADI.
  • Irrecorribilidade da Decisão: A decisão do STF em ADC também é irrecorrível (art. 26 da Lei nº 9.868/99), com a ressalva dos embargos de declaração.

3 – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é uma ação subsidiária, destinada a evitar ou reparar lesão a preceito fundamental.

3.1 – Objeto da ADPF: Preceitos Fundamentais e a Amplitude de Controle

Conforme o art. 1º da Lei nº 9.882/1999, a ADPF tem por objeto "evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público".

  • A doutrina tem a tarefa de conceituar "preceitos fundamentais", pois a lei e a jurisprudência não os determinaram com exatidão. Bulos (2008, p. 901, apud LENZA, 2018, p. 403) os descreve como "os grandes preceitos que informam o sistema constitucional, que estabelecem comandos basilares e imprescindíveis à defesa dos pilares da manifestação constituinte originária".
  • A grande diferença da ADPF em relação à ADC e, em parte, à ADI, é sua abrangência. Pode ser impetrada para evitar ou reparar descumprimento de preceito fundamental quando há controvérsia constitucional relevante sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluindo os anteriores à Constituição (art. 1º, parágrafo único, I, da Lei nº 9.882/99).

3.2 – Competência para Julgar a ADPF: Exclusividade do STF

A competência para o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é exclusiva do Supremo Tribunal Federal, de acordo com o art. 1º, caput, da Lei nº 9.882/99, combinado com o art. 102, § 1º, da Carta Magna.

3.3 – Legitimados para Propor a ADPF: O Mesmo Rol Constitucional

Os legitimados para propor a ADPF são os mesmos da ADI e ADC, ou seja, aqueles constantes no rol do art. 103, I a IX, da Constituição Federal. As regras de legitimação universal e necessidade de pertinência temática também se aplicam.

3.4 – Decisão, Efeitos e Informações Complementares da ADPF

Comprovada a controvérsia e o descumprimento de preceito fundamental, a ADPF será instaurada com a presença de, no mínimo, dois terços dos membros do STF (art. 8º da Lei nº 9.882/99).

  • Desistência e Intervenção de Terceiros: As regras são idênticas às aplicáveis na ADI e ADC.
  • Participação do Procurador-Geral da República: O PGR deverá ser previamente ouvido (art. 103, § 1º, da CF). Se a ADPF não for formulada pelo Ministério Público, este terá vista do processo por cinco dias (art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.882/99).
  • Efeitos da Decisão: A decisão em ADPF gera efeitos:
    • Erga omnes: Contra todos.
    • Vinculantes: Para todos os órgãos do Poder Judiciário e Executivo.
    • Ex tunc: Retroativos.
  • Irrecorribilidade da Decisão: A decisão de procedência ou improcedência em ADPF é irrecorrível, não sendo sequer objeto de ação rescisória (art. 12 da Lei nº 9.882/99), seguindo a linha da ADI e ADC.

4 – PONTOS EM COMUM ENTRE ADI, ADC e ADPF: Convergências Essenciais

Embora possuam propósitos e objetos específicos, a ADI, ADC e ADPF compartilham diversas características estruturais que facilitam sua compreensão e operabilidade no controle concentrado de constitucionalidade:

  • Legitimidade Ativa: O rol de legitimados do art. 103, I a IX, da Constituição Federal é o mesmo para as três ações, incluindo as distinções entre legitimados universais e aqueles com necessidade de pertinência temática.
  • Controvérsia Judicial: A exigência de controvérsia judicial relevante é necessária para a ADC e a ADPF. Na ADI, essa controvérsia não é um requisito, pois a ação visa discutir a inconstitucionalidade em tese de uma norma que, no momento da propositura, pode ainda não ter produzido todos os seus efeitos ou gerado litígios.
  • Participação do Procurador-Geral da República: Sua intervenção é compulsória e necessária nas três ações constitucionais, conforme o art. 103, § 1º, da CF.
  • Natureza Dúplice: Enquanto ADI e ADC podem ter uma natureza dúplice em seus julgamentos (uma pode resultar na declaração contrária ao pedido inicial), a ADPF não possui essa característica, pois seu objetivo é analisar a violação a um preceito fundamental.
  • Efeitos da Decisão: Os efeitos são idênticos para as três: erga omnes (contra todos), vinculantes (para o Judiciário e Executivo em todas as esferas) e ex tunc (retroativos). O efeito repristinatório é peculiar da ADI.
  • Impossibilidade de Desistência: Uma vez propostas, essas ações de controle concentrado seguem até o final, não sendo permitida a desistência.
  • Intervenção de Terceiros: Não é admitida a intervenção de terceiros, com a notável exceção da participação do amicus curiae, que atua como colaborador para enriquecer o debate processual.
  • Irrecorribilidade da Decisão: As decisões proferidas pelo STF nessas ações são irrecorríveis, cabendo apenas embargos de declaração para sanar vícios processuais específicos.
  • Quórum de Julgamento: O quórum mínimo de oito ministros para a instalação da sessão de julgamento é o mesmo para todas as ações, aplicando-se à ADPF de forma reflexa (art. 22 da Lei nº 9.868/99).

Dessa forma, fica evidente que, apesar de suas particularidades, as ações constitucionais de ADI, ADC e ADPF compartilham um tronco estrutural comum, o que facilita o estudo e a operabilidade desses importantes instrumentos de controle de constitucionalidade pelos operadores do Direito.

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5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
  • BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de nov. 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm. Acesso em: 14 nov. 2020.
  • BRASIL. Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1.º do art. 102 da Constituição Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 de dez. 1999. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9882.htm. Acesso em: 14 nov. 2020.
  • LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 22ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
  • MELLO, Celso de. “Autor não pode desistir de ação de controle abstrato, afirma decano do Supremo”. Conjur, São Paulo, 18 de abril de 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-12/autor-nao-desistir-acao-controle-abstrato-celso-mello. Acesso em: 07 de agosto de 2020.
  • MENDES, Gilmar Ferreira de. Curso de Direito Constitucional, 7ª Edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
  • MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 34ª Ed. São Paulo: Atlas, 2018.
  • PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de Direito Processual Civil Contemporâneo, 2ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2020.
  • STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ADI 1423. DJ 20/06/1996. STF, 1996. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=385497. Acesso em 17 set. 2021.