Regulamentação da análise de impacto regulatório no governo: o passo que faltava

Adoção da AIR é fundamental para a redução da carga regulatória e para a melhoria da competitividade do país


Imagem: Pixabay
Regulação é o estabelecimento de regras e exigências aos agentes econômicos e aos cidadãos. Importante forma de atuação do Estado, deve, todavia, ser utilizada quando necessário, e na medida do que é preciso, pois implica custos e riscos associados.
Por um lado, onera o setor privado, os cidadãos e o próprio governo e, por outro, devido ao elevado ritmo das mudanças tecnológicas e das formas de interação social, traz embutido o risco de ser excessiva, desproporcional e de criar barreiras desnecessárias ao comércio, à concorrência, à inovação e à eficiência econômica.
Mais regulação – mais normativos – não tem de ser a única alternativa a ser avaliada para se resolver um problema que aparece, especialmente no Brasil, que já possui um estoque regulatório astronômico[1] que nos deixa em último lugar no ranking de peso da regulação estatal no índice de competitividade global do Fórum Econômico Mundial.
Existe à disposição dos reguladores um cardápio amplo de alternativas não-normativas que podem ser consideradas, inclusive a possibilidade de não se fazer nada, se esse for o melhor resultado para a sociedade, aferido a partir de evidências.
Não obstante, no Brasil, regra geral, os custos e riscos da regulação são pouco discutidos, medidos e avaliados. Para os reguladores, editar novos normativos é extremamente fácil, não havendo grandes disciplinas sobre a forma de elaboração regulatória. Até agora.
Com a edição da Lei das Agências Reguladoras[2], a Análise de Impacto Regulatório (AIR) passou a ser obrigatória para essas autarquias especiais – que já utilizam a ferramenta – ao passo que a Lei da Liberdade Econômica[3] estendeu, acertadamente, a obrigatoriedade de AIR para toda a Administração Pública Federal, um avanço expressivo que vai marcar uma nova era na política regulatória brasileira.
A edição do Decreto nº 10.411 muda o jogo ao regulamentar ambas as leis e coloca o Brasil no patamar dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, tendo em vista que AIR é boa prática internacional recomendada pela Organização e também por outros organismos internacionais.
A AIR é uma ferramenta para melhorar a qualidade da regulação e garantir robustez técnica ao processo decisório ao permitir reflexão substantiva sobre o que pode ser feito antes que se opte, automática e apressadamente, pela edição de novos normativos sem que se dedique tempo suficiente para avaliar, previamente, seus custos, efeitos e consequências.
A Casa Civil da Presidência da República coordenou extenso trabalho sobre o tema, inclusive com participação da sociedade, que culminou com a publicação de Diretrizes Gerais e de Guia Orientativo para a Elaboração de AIR, aprovados e recomendados pelo Comitê Interministerial de Governança (CIG) desde 2018.
Os documentos em questão foram utilizados como base para a edição do decreto em tela. Ou seja, o conteúdo substantivo do normativo em questão foi amplamente estudado e debatido previamente e, em grande medida, já era conhecido[4].
Salutar que tenha sido assim e que relativamente pouco na essência tenha mudado, afinal previsibilidade e estabilidade regulatória são características fundamentais na seara da boa regulação.
Na forma, entretanto, a mudança é significativa, já que as Diretrizes Gerais e o Guia AIR eram recomendações não vinculantes e o decreto, agora, positiva a obrigatoriedade de elaboração de AIR previamente à edição de atos normativos de interesse geral por órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
O decreto é a cereja do bolo, o passo que faltava na estratégia de gradativamente aperfeiçoar a governança pública e de institucionalizar a utilização da AIR. Primeiro foram as agências reguladoras e o Inmetro.
Em seguida, a prática foi objeto de recomendação não vinculante. Agora a AIR passa a valer para todos os reguladores federaos, obrigatoriamente, a partir de outubro de 2021.
O Ministério da Economia optou por estar na primeira onda da produção de efeitos do decreto, juntamente com as agências reguladoras e o Inmetro, que já possuíam experiência no tema e participaram do grupo técnico que elaborou as Diretrizes Gerais e o Guia. O normativo, nesses casos, vale a partir de abril de 2021.
Alinhado às boas práticas internacionais, o normativo prevê que se direcionem os esforços para os casos de maior potencial impacto, uma vez que a elaboração de uma AIR é um processo custoso tanto para o setor público quanto para o próprio setor privado e são, nesse sentido, previstos casos de não aplicabilidade e de possibilidade de dispensa justificada. Tal tipo de previsão salvaguardando, inclusive, determinados temas é usual em todos os países que adotam AIR.
A escolha regulatória relevante a respeito do decreto de AIR foi a de não o tornar excessivamente prescritivo e de garantir a flexibilidade necessária para a sua utilização pelo amplo conjunto da administração, formada por órgãos e entidades com diferentes maturidades institucionais em relação ao tema. Ou seja: o decreto traz, propositadamente, apenas as diretrizes gerais para a elaboração de AIR.
Parte da recomendação do CIG, o Guia de AIR é o documento de apoio para a elaboração em si da análise que traz orientações detalhadas, sem, entretanto engessá-la, razão pela qual não foi publicado como anexo do decreto.
O normativo também trata da Avaliação de Resultado Regulatório (ARR), que analisa, ex post, o desempenho de um normativo face aos seus objetivos originalmente pretendidos. Tal tipo de avaliação é uma ferramenta fundamental para compor o ciclo da qualidade regulatória.
Ponto ainda importante é possibilidade de exceção à utilização do AIR para os casos de desregulação. Afinal, se o objetivo é dar racionalidade às regras vigentes e diminuir nossa carga regulatória, o processo de análise não pode ser usado como obstáculo ou etapa procrastinadora.
Para resguardar a segurança jurídica das normas editadas, adotou-se previsão de que a inobservância do decreto não é escusa válida para seu descumprimento e nem acarreta sua invalidade.
Não é trivial o desafio de institucionalizar a utilização da AIR, que ainda não faz parte da cultura organizacional do setor público e altera substancialmente a lógica da elaboração regulatória. Por isso, haverá tempo suficiente para a preparação dos órgãos e das entidades antes que o decreto comece a produzir efeitos.
A adoção da AIR de maneira obrigatória e sistemática no governo federal representa um avanço institucional histórico, tanto em termos do aprimoramento da governança pública quanto na forma de se conceber, entregar e avaliar a regulação. Mais do que isso, é um passo fundamental para a redução da carga regulatória e para a melhoria da competitividade do País.


[1] Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), dados de 2018, desde a promulgação da Constituição foram editadas no Brasil 5,8 milhões de normas, sendo por volta de 166.000 no nível federal; 1,6 milhões no nível estadual e 4 milhões na esfera municipal.
[2] Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019.
[3] Lei nº 13.874, de 20 de setembro 2019.
[4] As Diretrizes Gerais e o Guia AIR estão disponíveis desde 2018 em : <www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/governanca>.
Fonte: JOTA