Eficácia das Normas Constitucionais: Conceitos, Classificações e Aplicação no Direito Brasileiro

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Introdução


A Constituição é o pilar fundamental de qualquer Estado democrático de direito, servindo como a lei suprema que organiza a estrutura estatal e garante os direitos dos cidadãos. Este artigo explora em profundidade a eficácia das normas constitucionais, um tema central no Direito Constitucional, detalhando seus conceitos, classificações doutrinárias e a importância de sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Prepare-se para compreender como a Constituição realmente opera na prática!


1 – O Conceito de Constituição e o Vigor Normativo


Para iniciar a discussão sobre a eficácia das normas constitucionais, é imperativo revisitarmos o conceito de Constituição. Ela é a lei fundamental de um Estado, a norma suprema que se sobrepõe a todas as demais legislações. Sua função é vasta e abrange:


  • Regular a criação de mecanismos de estruturação estatal, como órgãos públicos e suas relações com o setor privado.
  • Estabelecer os Poderes republicanos (Executivo, Legislativo e Judiciário) e determinar suas competências específicas.
  • Criar os princípios que guiarão a interpretação e aplicação das leis.
  • Demarcar os direitos, garantias e deveres dos cidadãos.
  • Servir de norte para todo o ordenamento jurídico no que tange à produção legislativa.


Como lei suprema, a Constituição possui um inegável vigor normativo. Isso implica que, em maior ou menor grau, suas regras são dotadas de eficácia. A relevância de discutir essa eficácia reside na premissa de que as normas constitucionais devem ser capazes de alcançar seus objetivos para que tenham sentido prático no dia a dia jurídico e social.


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Outro ponto crucial sobre a eficácia das normas constitucionais é sua interligação com o controle de constitucionalidade. Leis produzidas em desconformidade com o regramento constitucional podem e devem ser contestadas por meio dos mecanismos de controle de constitucionalidade, garantindo a supremacia da Carta Magna.


2 – CLASSIFICAÇÕES DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: Diferentes Abordagens Doutrinárias


A compreensão da eficácia das normas constitucionais é aprimorada pelas diversas classificações desenvolvidas pela doutrina. Vamos explorar as principais:


A) Classificação de Thomas Cooley: Normas "Self-executing" e "Not self-executing"


A primeira classificação notável foi criada pelo ex-juiz estadunidense Thomas Cooley (1871, p. 92), que as dividiu em:


  • Self-executing (autoexecutáveis): São as normas que já nascem com plena eficácia jurídica, sendo aplicáveis desde logo. Elas disciplinam mecanismos essenciais do funcionamento estatal ou regulam os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Não dependem da produção de leis complementares para sua aplicabilidade.
  • Not self-executing (não executáveis por si mesmas): Normas que se encontram em estado de "latência jurídica", sem poder executório imediato. Funcionam como meras diretrizes para que o Poder Legislativo crie leis que lhes deem aplicabilidade. Enquanto essa legislação não é produzida, seus efeitos são limitados.


B) Classificação de Vezio Crisafulli: Eficácia Plena e Eficácia Limitada


O jurista italiano Vezio Crisafulli propôs uma classificação que se assemelha à de Cooley, dividindo as normas constitucionais em:


  • Normas de eficácia plena: Equivalentes às "self-executing", produzem todos os seus efeitos imediatamente.
  • Normas de eficácia limitada: Similares às "not self-executing", dependem de regulamentação para que possam produzir seus efeitos completos.


C) Classificação de Maria Helena Diniz: Abrangência e Nuances da Eficácia


A jurista Maria Helena Diniz instituiu uma classificação mais detalhada, dividindo as normas constitucionais em:


  • Normas de Eficácia Absoluta: São consideradas "normas intangíveis", ou seja, nem mesmo o poder de emenda pode alterá-las. Possuem uma força paralisante total contra qualquer legislação que as contrarie. Exemplos incluem os textos que amparam a federação (art. 1º), o voto direto, secreto, universal e periódico (art. 14), a separação de poderes (art. 2º) e os direitos e garantias individuais (art. 5º, I a LXXVII), por serem cláusulas pétreas (arts. 60, § 4º, e 34, VII, a e b da CF).
  • Normas de Eficácia Plena: Estas são "plenamente eficazes desde sua entrada em vigor", disciplinando imediatamente as relações jurídicas. Contêm todos os elementos essenciais para a produção imediata de efeitos, não exigindo normação subconstitucional subsequente. Apesar de serem suscetíveis de emenda, são aplicáveis de forma imediata.
  • Normas de Eficácia Restringível (ou Contida): Conforme a lição de Michel Temer, preferidas em relação à denominação "eficácia contida" de José Afonso da Silva. São de "aplicabilidade imediata ou plena", mas sua eficácia pode ser reduzida ou restringida nos casos e na forma que a lei estabelecer. Recebem do constituinte normatividade capaz de reger os interesses, mas contêm prescrições normativas ou conceitos que permitem a restrição de seus efeitos por legislação infraconstitucional.
  • Normas de Eficácia Mediata (ou Limitada): Possuem "aplicação mediata", dependendo de norma posterior (lei complementar ou ordinária) para desenvolver plenamente sua eficácia e permitir o exercício do direito ou benefício. Não produzem efeitos positivos imediatos, mas têm eficácia paralisante sobre normas precedentes incompatíveis e impeditiva de condutas contrárias ao seu preceito. Sua aplicabilidade é mediata, incidindo totalmente sobre os interesses tutelados após a regulamentação infraconstitucional.


3 – A Classificação de José Afonso da Silva: A Abordagem Mais Adotada no Brasil


A classificação mais adotada e influente na doutrina jurídica brasileira é a do Professor José Afonso da Silva. Ele categorizou as normas constitucionais em três tipos principais, que se tornaram referência para a interpretação e aplicação da Constituição:


  • Normas de Eficácia Plena: São "aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular". Ou seja, são autoaplicáveis e não necessitam de lei posterior para produzir seus efeitos.
  • Normas de Eficácia Contida: O Professor José Afonso da Silva as descreve como aquelas "que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados". Elas possuem aplicabilidade imediata, mas seus efeitos podem ser restringidos por lei ordinária.
  • Normas de Eficácia Limitada: São as normas que possuem "aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade". Sua plena produção de efeitos depende de uma regulamentação infraconstitucional, seja por lei complementar ou ordinária.


A compreensão dessas classificações é essencial para que juristas, legisladores e cidadãos possam interpretar corretamente o alcance e a força normativa de cada dispositivo da Constituição Federal, garantindo sua plena aplicabilidade e efetividade no ordenamento jurídico. A eficácia das normas constitucionais é um termômetro da força e da relevância da Carta Magna para a vida do país.

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REFERÊNCIAS


  • COOLEY, Thomas M. A treatise on the constitutional limitations. University of Michigan Law School Scholarship Repository. 1871. Disponível em: https://repository.law.umich.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1009&context=books. Acesso em: 20 abr. 2022.
  • CRISAFULLI, Vezio. La Costituzione e le sue disposizioni di principio. Milão, Dott. A. Giuffrè Editore, 1952.
  • DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
  • SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 8ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.