Iniciaremos falando brevemente sobre o conceito de
Constituição para depois entrarmos no tema principal que é a eficácia das
normas constitucionais. A Constituição é a lei fundamental de um Estado e é a
norma suprema diante das demais normas estatais a serem publicadas. Ela é
responsável por regular a criação de mecanismos de estruturação estatal como a
criação de órgãos públicos e como estes se relacionarão com o setor privado,
estabelecer quais são os Poderes republicanos e determinar cada uma das suas
competências, criar os princípios que serão as suas diretrizes, demarcar quais
são os direitos, garantias e deveres dos cidadãos e, por fim, servir de norte
para todo o ordenamento jurídico no tocante à produção legislativa.
Como
introdução ao estudo das normas constitucionais, é bom termos em mente que como
lei suprema, a Constituição possui vigor normativo e com isso, em maior ou
menor grau, as suas regras possuem eficácia. Obviamente só faz sentido em falar
nessa mesma eficácia se as normas constitucionais alcançarem os seus objetivos.
Outro
ponto que é importante ser abordado quanto à eficácia das normas
constitucionais é que as leis poderão ser contestadas por meio dos mecanismos
de controle de constitucionalidade no caso de produção legislativa em
desconformidade com o regramento constitucional.
Partindo
para a classificação das normas constitucionais, temos várias classificações
elaboradas por vários autores, a primeira que citarei é criação do ex-juiz
estadunidense Thomas Cooley (1871, p. 92), que criou a classificação Selfexecuting e not selfexecuting, autoexecutáveis e não executáveis por si mesmas,
respectivamente. As primeiras dizem respeito às normas que são desde logo
aplicáveis pois já nascem com plena eficácia jurídica porque disciplinam, ou
mecanismos de funcionamento essenciais da máquina estatal, ou porque regulam os
direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Com isso não dependem da
produção de leis para dar aplicabilidade às suas normas. Já as normas não
executáveis por si mesmas, são normas que ficam em estado de latência jurídica,
sem poder executório. Até a produção legislativa que dê base para que tal norma
seja aplicável, as normas não executáveis são meras diretrizes para que o
Legislativo crie leis que dê aplicabilidade a essas normas.
Vezio
Crizafulli, um jurista italiano, criou a classificação das normas
constitucionais divididas entre normas de eficácia plena e normas de eficácia
limitada. As de eficácia plena e as de eficácia limitada são normas que os seus
conceitos se assemelham bastante às normas self
e not selfexecuting da classificação
anterior.
Já
Maria Helena Diniz instituiu a classificação das normas constitucionais em
normas de eficácia absoluta, plena, restringível e mediata. Citando ao pé da
letra as definições de cada uma das classificações da autora, temos o conceito
de normas constitucionais de eficácia absoluta as “normas intangíveis, contra
elas nem mesmo há o poder de emendar. Daí conterem uma força paralisante total
de toda a legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las.
Distinguem-se, portanto, das normas constitucionais de eficácia plena, que,
apesar de incidirem imediatamente sem necessidade de legislação complementar
posterior, são emendáveis. Por exemplo, os textos constitucionais que ampararam
a federação (art. 1º), o voto direto, secreto, universal e periódico (art. 14),
a separação de poderes (art. 2º) e os direitos e garantias individuais (art.
5º, I a LXXVII), por serem insuscetíveis de emenda são intangíveis, por força
dos arts. 60, § 4º, e 34, VII, a e b”. Já as normas com eficácia plena “são
plenamente eficazes..., desde sua entrada em vigor, para disciplinarem as
relações jurídicas ou o processo de sua efetivação, por conterem todos os
elementos imprescindíveis para que haja a possibilidade da produção imediata
dos efeitos previstos, já que, apesar de suscetíveis de emenda, não requerem
normação subconstitucional subsequente. Podem ser imediatamente aplicadas”.
As
normas de eficácia restringível apresentam-se como “às de eficácia contida de
José Afonso da Silva, mas, aceitando a lição de Michel Temer, preferimos
denominá-la normas constitucionais de eficácia redutível ou restringível, por
serem de aplicabilidade imediata ou plena, embora sua eficácia possa ser
reduzida, restringida nos casos e na forma que a lei estabelecer; têm, portanto,
seu alcance reduzido pela atividade legislativa. São preceitos constitucionais
que receberam do constituinte normatividade capaz de reger os interesses, mas
contêm, em seu bojo, a prescrição de meios normativos ou de conceitos que
restringem a produção de seus efeitos. São normas passíveis de restrição”.
Por
fim, as normas de eficácia mediata são aquelas que “há preceitos
constitucionais que têm aplicação mediata, por dependerem de norma posterior,
ou seja, de lei complementar ou ordinária, que lhes desenvolva a eficácia,
permitindo o exercício do direito ou do benefício consagrado. Sua possibilidade
de produzir efeitos é mediata, pois, enquanto não for promulgada aquela lei
complementar ou ordinária, não produzirão efeitos positivos, mas terão eficácia
paralisante de efeitos de normas precedentes incompatíveis e impeditiva de
qualquer conduta contrária ao que estabelecerem. Não recebem, portanto, do
constituinte normatividade suficiente para sua aplicação imediata, porque ele
deixou ao Legislativo a tarefa de regulamentar a matéria, logo, por esta razão,
não poderão produzir todos os seus efeitos de imediato, porém têm
aplicabilidade mediata, já que incidirão totalmente sobre os interesses
tutelados, após o regramento infraconstitucional. Por esse motivo, preferimos
denominá-las normas com eficácia relativa dependente de complementação
legislativa”.
A
classificação mais adotada pela doutrina pátria é a do Professor José Afonso da
Silva, que classificou as normas constitucionais em normas de eficácia plena,
contida e limitada. Nas suas próprias palavras, as normas de eficácia plena são
“aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm
possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos
interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e
normativamente, quis regular”. Já as normas de eficácia contida são aquelas
“que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos
a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da
competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer
ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados”. Finalmente as normas de
eficácia limitada são aquelas que possuem “aplicabilidade indireta, mediata e
reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma
normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade”.
Referências:
COOLEY, Thomas M. A
treatise on the constitutional limitations. University of Michigan Law School Scholarship Repository. 1871.
Disponível em: < https://repository.law.umich.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1009&context=books>.
Acesso em: 20 abr. 2022;
CRISAFULLI,
Vezio. La Costituzione e le
sue disposizioni di principio. Milão, Dott. A. Giuffrè
Editore, 1952;
DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos. 8ª
Ed. São Paulo: Saraiva, 2009;
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 8ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.