Informativo 1.033

Livre iniciativa, direito do consumidor e legislação estadual sobre prestação de serviços de internet - ADI 6893/ES

RESUMO:

É constitucional lei estadual que obriga as empresas prestadoras de serviços de internet móvel e banda larga na modalidade pós-paga a apresentarem, na fatura mensal, gráficos sobre o registro médio diário de entrega da velocidade de recebimento e envio de dados pela rede mundial de computadores. Normas sobre direito do consumidor admitem regulamentação concorrente pelos estados-membros, nos termos do art. 24, V, da Constituição Federal (CF) (1) (2). O fato de trazer a representação da velocidade de internet, por meio de gráficos, não diz respeito a matéria específica de contratos de telecomunicações (CF, art. 22, IV) (3), tendo em vista que tal serviço não se enquadra em nenhuma atividade de telecomunicações definida pelas Leis 4.117/1962 e 9.472/1997. A intervenção estatal no domínio econômico para defesa do consumidor é legítima  e tem fundamento na CF (art. 170, V) (4). Ademais, o princípio da livre iniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor (5).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado em ação direta e declarou a constitucionalidade da Lei 11.201/2020 do Estado do Espírito Santo. Vencidos os ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber, Luiz Fux e Nunes Marques.

(1) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) V - produção e consumo;”

(2) Precedente: ADI 5.572.

(3) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;”

(4) CF: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V - defesa do consumidor;”

(5) Precedentes: ADI 1.950; RE 349.686; e AI 636.883 AgR. ADI 6893/ES, relatora Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 8.10.2021 (sexta-feira), às 23:59

Covid-19: imunização de adolescentes por estados, municípios e DF - ADPF 756 TPI-oitava-Ref/DF

RESUMO:
A decisão de promover a imunização contra a Covid-19 em adolescentes acima de 12 anos, observadas as evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, insere-se na competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Os entes federados possuem competência concorrente para adotar as providências normativas e administrativas necessárias ao combate à pandemia (1).
Nos termos do art. 3º, § 1º, da Lei 13.979/2020 (2), a decisão sobre a inclusão ou a exclusão de adolescentes entre as pessoas a serem vacinadas deve levar em consideração as evidências científicas e as análises estratégicas em saúde (3).
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, referendou medida cautelar deferida em arguição de descumprimento de preceito fundamental.
(1) Precedentes: ADI 6.341, ADI 6.343, ADPF 672 e ADPF 770.
(2) Lei 13.979/2020: “Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei 14.035/2020) (...) § 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.”
(3) Precedentes: ADI 6.587, ADI 6.586, ADI 6.625, ADI 6.421 e ADI 6.422. 
ADPF 756 TPI-oitava-Ref/DF, relator Min. Ricardo Lewandowski, julgamento virtual finalizado em 
8.10.2021 (sexta-feira), às 23:59

Lei estadual: anistia administrativa e policiais civis, militares e bombeiros - ADI 4928/AL 

RESUMO:
É inconstitucional lei estadual de iniciativa parlamentar que disponha sobre a concessão de anistia a infrações administrativas praticadas por policiais civis, militares e bombeiros.
A Constituição Federal (CF) reserva ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que tratem do regime jurídico de servidores desse Poder ou que modifiquem a competência e o funcionamento de órgãos administrativos [art. 61, § 1º, II, c e e (1)], no que se enquadra a legislação que concede anistia a infrações administrativas praticadas por servidores civis e militares de órgãos de segurança pública.
Ademais, sob o ângulo material, a norma invade matéria reservada a órgãos administrativos, em contrariedade ao princípio da separação dos Poderes (2).
Com esses entendimentos, o Plenário, por maioria e em conclusão de julgamento, julgou 
procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 7.428/2012 do Estado de Alagoas (3). Vencido o ministro Marco Aurélio (relator).
(1) CF: “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...) II – disponham sobre: (...) c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (...) e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;”
(2) Precedentes: ADI 776 MC e ADI 1.440.
(3) Lei 7.428/2012-AL: “Art. 1º Fica concedida anistia administrativa aos policiais civis, militares e bombeiros estaduais aos quais se atribuem condutas tipificadas como infrações administrativas ou faltas disciplinares relacionadas aos movimentos reivindicatórios por melhorias de vencimentos e de condições de trabalho ocorridos entre maio e junho de 2011. Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”
ADI 4928/AL, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgamento 
virtual finalizado em 8.10.2021 (sexta-feira), às 23:59

Competência jurisdicional para julgamento de ação rescisória em que a União figure como terceira interessada - RE 598650/MS (Tema 775 RG)

TESE FIXADA:
“Compete ao Tribunal Regional Federal processar ação rescisória proposta pela União com o objetivo de desconstituir sentença transitada em julgado proferida por juiz estadual, quando afeta interesses de órgão federal.”
RESUMO:
Compete à Justiça Federal processar e julgar ações rescisórias movidas por ente federal contra acórdão ou sentença da Justiça estadual. Isso porque o art. 108, I, b, e II, da Constituição Federal (CF) (1) não traz uma previsão fechada, taxativa. É preciso ler tal norma em conjunto com o art. 109, I, da CF (2), que nada mais é do que uma expressão do princípio federativo e que impede a submissão da União à Justiça dos estados — com exceção da competência federal delegada (art. 109, § 3º, da CF) (3) (4).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 775 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário.
(1) CF: “Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I - processar e julgar, originariamente: (...) b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região; (...) II - julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.”
(2) CF: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
(3) CF: “Art. 109. (...) § 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal.”
(4) Precedentes citados: CJ 6278 e RE 106819. RE 598650/MS, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 8.10.2021 (sexta-feira), às 23:59

Fornecimento de dados à Agência  Brasileira de Inteligência (ABIN) e controle  judicial de legalidade - ADI 6529/DF

RESUMO:
Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à ABIN quando comprovado o interesse público da medida. 
Os mecanismos legais de compartilhamento de dados e informações previstos no parágrafo único do art. 4º da Lei 9.883/1999 (1) são previstos para abrigar o interesse público. O compartilhamento de dados e de conhecimentos específicos que visem ao interesse privado do órgão ou de agente público não é juridicamente admitido, caracterizando-se desvio de finalidade e abuso de direito.
O fornecimento de informações entre órgãos públicos para a defesa das instituições e dos interesses nacionais é ato legítimo. É proibido, no entanto, que essas finalidades se tornem subterfúgios para atendimento ou benefício de interesses particulares ou pessoais. 
Toda e qualquer decisão de fornecimento desses dados deverá ser devida e formalmente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário. Cabe destacar que a natureza da atividade de inteligência, que eventualmente se desenvolve em regime de sigilo ou de restrição de publicidade, não afasta a obrigação de motivação dos atos administrativos. A motivação dessas solicitações mostra-se indispensável para que o Poder Judiciário, se provocado, realize o controle de legalidade, examinando sua conformidade aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Ademais, ainda que presentes o interesse público e a motivação, o ordenamento jurídico nacional prevê hipóteses em que se impõe a cláusula de reserva de jurisdição, ou seja, a necessidade de análise e autorização prévia do Poder Judiciário. Nessas hipóteses, tem-se, na CF, ser essencial a intervenção prévia do Estado-juiz, sem o que qualquer 
ação de autoridade estatal será ilegítima, ressalvada a situação de flagrante delito.
Com base nesse entendimento, o Tribunal conheceu parcialmente da ação direta e deu interpretação conforme ao parágrafo único do art. 4º da Lei 9.883/1999 para estabelecer que: a) 
os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência somente podem fornecer dados e 
conhecimentos específicos à ABIN quando comprovado o interesse público da medida, afastada 
qualquer possibilidade de o fornecimento desses dados atender a interesses pessoais ou privados; b) toda e qualquer decisão de fornecimento desses dados deverá ser devida e formalmente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário; c) mesmo quando 
presente o interesse público, os dados referentes às comunicações telefônicas ou dados sujeitos à reserva de jurisdição não podem ser compartilhados na forma do dispositivo, em razão 
daquela limitação, decorrente do respeito aos direitos fundamentais; d) nas hipóteses cabíveis 
de fornecimento de informações e dados à ABIN, são imprescindíveis procedimento formalmente 
instaurado e a existência de sistemas eletrônicos de segurança e registro de acesso, inclusive para efeito de responsabilização em caso de eventual omissão, desvio ou abuso.
(1) Lei 9.883/1999: “Art. 4o À ABIN, além do que lhe prescreve o artigo anterior, compete: (...) Parágrafo único. Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência fornecerão à ABIN, nos termos e condições a serem aprovados mediante ato presidencial, para fins de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos interesses nacionais.”
ADI 6529/DF, relatora Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 8.10.2021 (sexta-feira), 
às 23:59

Proibição de “showmícios” em campanhas eleitorais - ADI 5970/DF 

RESUMO:
É vedada a realização, remunerada ou não, de “showmícios”, conforme o disposto no art. 39, § 7º, da Lei 9.504/1997 (1) A vedação visa evitar o abuso de poder econômico no âmbito das eleições e resguardar a paridade de armas entre os candidatos (2), justificando-se pelo fato de que a promoção de uma candidatura por meio do patrocínio de um show disponibilizado ao público em geral pode ser considerada como o oferecimento de uma vantagem ao eleitor. 
A norma impugnada objetiva evitar que a opinião ou o sentimento que um eleitor venha a nutrir por um ou outro candidato seja impulsionado pela reputação ou fama de um artista por meio da confusão entre o palco, do qual se busca deleite e lazer, e o palanque político, do qual devem emanar informações acerca da candidatura. Nesse sentido, a norma protege, também, a livre formação da vontade do eleitor.
A apresentação artística em eventos de arrecadação para campanha eleitoral não está inserida na proibição à realização de “showmícios”.
Ao contrário dos “showmícios”, disponibilizados ao público em geral, os eventos de arrecadação são frequentados por pessoas que já guardam simpatia pela campanha que pretendem financiar, não se caracterizando, dessa forma, qualquer interferência à livre consciência do eleitor. Os eventos de arrecadação materializam o exercício do direito de contribuir com o projeto político desejado pelo eleitor.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação direta, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 23, § 4º, V, da Lei 9.504/1997 (3), para incluir no seu escopo a possibilidade de realização de apresentações artísticas ou shows musicais em eventos de arrecadação de recursos para campanhas eleitorais. Na sequência, por maioria, o Tribunal decidiu pela não aplicação do princípio da anualidade em relação aos entendimentos.
(1) Lei 9.504/1997: “Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia. (...) § 7º É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral. (Incluído pela Lei 11.300/2006)
(2) Precedente: ADI 4.650 (3) Lei 9.504/1997: “Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei 12.034/2009) (...) § 4º As doações de recursos financeiros somente poderão ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio de: (Redação dada pela Lei 11.300/2006) (...) V - comercialização de bens e/ou serviços, ou promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político. (Incluído pela Lei 13.488/2017)” ADI 5970/DF, relator Min. Dias Toffoli, julgamento em 7.10.2021.

Titularidade das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte - RE 1293453/RS (Tema 1130 RG)

TESE FIXADA:
“Pertence ao Município, aos Estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte incidente sobre valores pagos por eles, suas autarquias e fundações a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços, conforme disposto nos arts. 158, I, e 157, I, da Constituição Federal.”
RESUMO:
Os entes municipais, estaduais e o Distrito Federal possuem direito ao produto da arrecadação do imposto de renda retido na fonte, incidente sobre rendimentos pagos por eles e suas respectivas autarquias e fundações a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços. 
A análise dos dispositivos constitucionais que versam sobre a repartição de receitas entre os entes federados, considerando o contexto histórico em que elaborados, deve ter em vista a tendência de descentralização dos recursos e os valores do federalismo de cooperação, com vistas ao fortalecimento e autonomia dos entes subnacionais. 
Assim, o conceito constitucional de rendimentos, constante dos arts. 157, I, e 158, I, da Constituição Federal (CF) (1), deve ser considerado de forma mais abrangente, e não de forma restritiva.
Além disso, a expressão “a qualquer título” (CF, arts. 157, I, e 158, I) é suficientemente clara para afastar a pretensão do Fisco de limitar, por meio de ato normativo infraconstitucional [Código Tributário Nacional (CTN), art. 85, II] (2), a repartição da receita do imposto de renda retido na fonte.
Com base nesse entendimento, o Plenário, ao julgar o Tema 1130 da repercussão geral, negou provimento a recurso extraordinário.
(1) CF: “Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal: I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; (...) Art. 158. Pertencem aos Municípios: I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;”
(2) CTN: “Art. 85. Serão distribuídos pela União: (...) II - aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, o produto da arrecadação, na fonte, do imposto a que se refere o artigo 43, incidente sobre a renda das obrigações de sua dívida pública e sobre os proventos dos seus servidores e dos de suas autarquias.” RE 1293453/RS, relator Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 8.10.2021 (sexta-feira), às 23:59