PEC 5/2021 pretende ampliar o poder de influência do Congresso no CNMP

Espera-se que o apelido “PEC da Vingança” seja tão equivocado quanto é a proposta


Está em tramitação no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição nº 5 de 2021 (PEC 5/2021), chamada por alguns de “PEC da vingança” ou “da retaliação”. De autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), o texto tem o objetivo de alterar a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão criado há 15 anos para exercer o controle administrativo e financeiro da instituição, bem como o cumprimento dos deveres funcionais de seus membros.


Pretende o parlamentar paulista, em síntese, ampliar o poder de influência do Congresso no CNMP, na medida em que aumenta de duas para três as vagas indicadas pelo Legislativo, permitindo também que a função de corregedor nacional seja exercida por alguém de fora da carreira. Isso sob o fundamento de que os órgãos externos estariam sub-representados. O argumento é que o corporativismo impediria a punição dos membros do Ministério Público.


A alegação, com todo o respeito, não procede. Primeiro, porque não há sub-representação de órgãos externos nem qualquer déficit de representatividade política no CNMP. O colegiado é composto por 14 integrantes. O procurador-geral da República, escolhido pelo presidente da República, é membro nato e o preside. Outras seis vagas são de indicação da Câmara dos Deputados, do Senado, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – uma cada – e duas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Sete são indicação do MP, sendo quatro de cada um dos ramos do Ministério Público da União, e três dos Ministérios Públicos dos Estados.


É preciso salientar que o presidente do Conselho Federal da OAB oficia junto à Corte, podendo intervir nos julgamentos sem direito de voto, conforme previsto no art. 130-A, § 4º, da Constituição Federal. Independentemente da origem da indicação, com exceção do procurador-geral da República, todos os integrantes precisam ter seus nomes aprovados pelo Senado Federal.


Em segundo lugar, o colegiado tem trabalhado com produtividade expressiva. O CNMP foi criado na mesma ocasião e nos mesmos moldes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que realiza o controle do Poder Judiciário e de seus integrantes. Recente estudo comparativo de produtividade entre os dois conselhos demonstra que, no período de 2005 a 2019, o CNMP instaurou 18,35 PADs/1.000 membros do Ministério Público, ao passo que o CNJ instaurou 7,74 PADs/1.000 membros do Poder Judiciário. Ou seja, o índice do CNMP é 137% superior ao do CNJ.


E mais: o CNMP aplicou, considerando apenas os PADs, 10,69 penas/1.000 membros do Ministério Público. Já o CNJ estabeleceu 4,81 penas. Isto é, a marca do CNMP é 122% superior à do CNJ. E ainda vale observar que a quantidade absoluta de PADs julgados pelo CNMP é 102% superior à dos julgados pelo CNJ.


Merece ainda registro que, até março de 2021, o CNMP aplicou 298 sanções nos PADs – procedimentos avocados, revisões de PADs julgados nas Corregedorias locais e remoções compulsórias por interesse público. Entre as sanções, houve 96 suspensões, 72 advertências e 67 censuras, além de 22 demissões e 12 cassações de aposentadoria, totalizando a perda de cargo de 34 integrantes da carreira. O CNMP aplicou mais de duas penas máximas por ano de existência, sendo o ramo o Ministério Público Federal o ramo mais atingido, com 25 penas disciplinares para seus membros.


Vale ressaltar que o CNMP se dedica a apurar e punir apenas os casos que tomaram maior relevância ou apresentados por autoridade federal, uma vez que existem 31 corregedorias locais que também atuam firmemente na apuração da maioria das infrações disciplinares.


Também é importante esclarecer que o estudo se refere à atividade correicional do conselho, ou seja, apenas uma parte de suas funções – deixando de lado várias outras, de searas administrativa e financeira, que servem à padronização das atuações. Por exemplo, elas estabelecem desde a obrigatoriedade de visitas e fiscalizações a estabelecimentos prisionais e programas de acolhimento de menores de idade e de atendimento a idosos, à tramitação de procedimentos de investigação nas esferas cível e criminal e ao disciplinamento de concursos públicos.


A Corregedoria deve ser, sobretudo, técnica, e exercida por alguém que conheça a instituição, que a tenha vivenciado – tal como ocorre no CNJ, órgão nacional de controle da magistratura e coirmão de nascimento do CNMP, e com todos os demais órgãos estatais. Não se conhece precedente de uma corregedoria exercida por quem não seja da respectiva carreira.


O Ministério Público brasileiro, a partir da Constituição Federal de 1988, assumiu um destacado papel na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais. Suas atribuições são múltiplas e se tornam cada dia mais complexas e abrangentes. Para cumprir sua função plenamente, a instituição acaba tendo uma postura adversarial, contrariando interesses e gerando insatisfação naqueles que têm sua esfera jurídica atingida.


O Ministério Público, por si só, não restringe a esfera jurídica de quem quer que seja. Se requer uma apreensão, um juiz precisa deferir; se ajuíza uma ação, um juiz precisa recebê-la; se pede a prisão de alguém, um juiz precisa decretá-la. Portanto, conhecer o Ministério Público e agir tecnicamente, com isenção, sem inspiração política ou ideológica, são requisitos indispensáveis às corregedorias.


Por tudo isso, não é possível concordar que a PEC 5/2021 aprimore o Conselho Nacional do Ministério Público. Espera-se que o apelido a ela atribuído, “PEC da Vingança”, seja tão equivocado quanto é a proposta.

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Fonte: Jota