Análise sobre a
constitucionalidade da questão da guerra fiscal travada entre os Estados da
Federação e suas consequências sociais.
1 – INTRODUÇÃO
Os Estados da federação
digladiam-se para atrair o maior número possível de empresas através dos
incentivos fiscais e para ter uma maior arrecadação. Para isso utilizam-se
muitas vezes de manobras que em parte favorecem a si e em outra prejudica os
outros, principalmente aqueles entes que não tem uma arrecadação de tamanho
suficiente para manter a prestação de serviços públicos razoáveis para a
sociedade.
A sociedade é a maior
prejudicada no fim das contas, quando há a fuga de empresas de um Estado para
outro. Com a arrecadação comprometida, o Estado endivida-se e repassa a conta
para a sociedade para manter o funcionamento dos seus serviços essenciais.
2 – CONCEITO
Segundo Simonsen (1994,
p. 571), guerra fiscal é “como os conflitos de natureza tributária existente
entre os Estados, objetivando a atração de indústrias, a partir da concessão do
Imposto Interestadual de Consumo, ICM”. Para Varsano (1996, p. 2) cita que:
Guerra
fiscal como uma situação de conflito na Federação em que ao arrepio da Lei
Complementar n.º 24/75, os Estados utilizam-se das isenções e outros incentivos
relacionados ao ICMS (seu principal tributo e atualmente o maior tributo
consolidado no Brasil) como instrumentos ativos de suas políticas de atração de
indústrias.
O conceito de guerra
fiscal é de simples definição, assim como a sua ocorrência é de simples
detecção. Para que se ocorra guerra fiscal entre dois ou mais Estados, basta
que um dê a isenção fiscal, de ICMS principalmente, para que haja a fuga de
empresas para o ente que concedeu o benefício e que haja um ente beneficiado e
outro prejudicado. Assim, estará configurada a guerra fiscal.
3 – FUNCIONAMENTO
O mecanismo da guerra
fiscal é realizado quando um Estado da Federação decide diminuir a alíquota de
ICMS, visando atrair empresas alocadas em outros Estados. Geralmente isso
ocorre quando as contas estaduais não estão no vermelho, pois caso contrário, a
isenção do citado tributo inviabilizaria a prestação dos serviços públicos
essenciais ao povo.
Há de se ressaltar que a
guerra fiscal ocorre geralmente entre Estados mais ricos e os mais pobres.
Muitas vezes os mais pobres saem derrotados nesse verdadeiro leilão, pois
contam com aquela arrecadação para manter seu serviço público operante. Nesse
sentido Tramontin cita que:
Denomina-se
guerra fiscal porque existe inequívoca situação de conflito entre os Estados federados.
Fala-se em guerra, porque trata-se de situação não harmônica entre os Estados,
pois cada um está agindo sem levar em consideração os efeitos que suas
concessões de incentivos podem gerar nos outros.
Essa disputa entre os
Estados da União, geralmente entre um Estado mais rico e o outro mais pobre,
põe em risco o próprio sistema federativo ao corroer as normas dispostas na
Constituição Federal, como a redução das desigualdades regionais, por exemplo.
Partindo-se do
pressuposto de que ainda há ganhos enquanto a situação limite não é atingida
com a isenção fiscal ofertada, pois há a geração de empregos e assim a renda do
Estado é aumentada, criando-se uma espécie de reação em cadeia que poderá ser
revertida em receita para o ente estadual. Mas, e quanto ao ente que perdeu
essa batalha fiscal? Bem, como já dito, existem entes estaduais que não
conseguem competir com outros e assim sucumbem durante essa luta. Como
resultado, a sua arrecadação cai bruscamente, porque geralmente não é somente
uma empresa que sai de um lugar para outro em busca de incentivos, normalmente
são várias empresas. O que inviabiliza a arrecadação e compromete o
funcionamento do ente.
A fala do ex-ministro da
Fazenda do Governo Dilma, Joaquim Levy, na Comissão de Assuntos Econômicos do
Senado, que debatia justamente o tema do presente artigo, chancela as
informações do parágrafo anterior:
Quando
o objetivo é tirar uma empresa [já] existente de um estado para outro, a guerra
fiscal é poderosa, porque o estado onde essa empresa está não pode, muitas
vezes, replicar o benefício fiscal para todas as outras empresas que estão ali,
seria muito caro. Mas, para atrair novos [empreendimentos], tem havido
indicações de que a guerra fiscal, às vezes, é menos eficiente, porque o estado
[economicamente] maior tem mais capacidade de exercitar isso.
Para ficar claro e para
efeitos didáticos, há de ser ressaltado que existem dois tipos de guerra
fiscal, a vertical e a horizontal. A vertical é a existente entre entes
federativos distintos, como por exemplo: União e Estados, União e Municípios e
Estados e Municípios. A horizontal é a guerra fiscal existente entre os
Estados, por exemplo.
4 – A LEI COMPLEMENTAR
24/75 E O CONFAZ
Como é sabido, o Direito
Tributário é ramo do Direito Público e tem como princípio norteador o Princípio
da Indisponibilidade do Interesse Público. O que significa que o administrador
público só pode fazer aquilo que a lei permite, ou seja, o que a lei determina
que seja feito.
Nessa toada, a concessão
de benefícios fiscais como remissão e redução da base de cálculo não podem ser
realizados por atos infralegais, mas somente por lei. Vejamos o que diz o art.
155, § 2º, XII, g) da Constituição Federal:
Art.
155 (...)
§
2º (...)
XII
– Cabe à lei complementar:
g)
regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,
isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
As deliberações
relacionadas a concessão ou revogação de incentivos e benefícios fiscais faz
parte da competência do CONFAZ, que é o Conselho Nacional de Políticas
Fazendárias, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. Tem assento neste
conselho todos os secretários estaduais de fazenda.
Todas as secretarias
estaduais de fazenda celebram convênio no âmbito do CONFAZ, com o objetivo de
burocratizar ou reduzir a liberdade de concessão de benefícios fiscais por
parte dos Estados. Com isso, almeja-se combater as disparidades socioeconômicas
e evitar a guerra fiscal entre os Estados.
Depende de aprovação
unânime para que sejam concedidos benefícios fiscais referentes ao ICMS, a
matéria está regulada pela Lei 24/75. Já para a revogação total ou parcial,
exige-se um quórum de 4/5 dos presentes.
5 – CONCLUSÃO
A existência da guerra
fiscal é uma decorrência óbvia do mal planejamento tributário no atual sistema
pátrio. Percebesse ao se ver que mesmo havendo Estados que se beneficiam em
prejuízo de outros, não foi criado ainda, um mecanismo eficaz que coíba tal
prática, que custa tão caro para a população do ente prejudicado.
A inconstitucionalidade
reside no fato de que, segundo a nossa visão, há a violação, em primeiro lugar,
do princípio da igualdade tributária – que se aplica aos contribuintes e também
aos entes arrecadadores – pois este serve para as relações entre os entes
federativos, podendo ser relativizado quando os entes estiverem em uma relação
vertical. Em segundo lugar, há concessões à revelia do CONFAZ, muitas
vezes com a chancela do Judiciário, com a declaração de constitucionalidade da
lei concessiva de isenção fiscal, esta julgada pelo Supremo Tribunal Federal.
Assim, percebe-se que há
muito a ser feito e que esse debate continuará a ocorrer por muito tempo no
âmbito dos Tribunais, pois aqueles que se sentirem prejudicados tentarão anular
ou fazer cessar os efeitos das leis que concederem os benefícios fiscais.
Visa-se, com isso, minorar a perda de arrecadação.
6 – REFERÊNCIAS
SIMONSEN, Mário Henrique.
Ensaios Analíticos. 1ª Edição. Rio de Janeiro. FGV. 1992;
TRAMONTIN, Odair.
Incentivos Públicos a Empresas Privadas e guerra fiscal. Curitiba: 1ª ed.
Curitiba: Juruá, 2002;
TODOS PERDEM NO EMBATE DA
GUERRA FISCAL ENTRE ESTADOS. Senado. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/emdiscussao/edicoes/pacto-federativo/guerra-fiscal-e-reforma-do-icms>.
Acesso em 19 jun. 2019