CCiF propõe mudanças na tributação da renda e da folha de salários



Ideia é desonerar primeiro salário mínimo e eliminar contribuição previdenciária acima do teto do INSS
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O ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Bernard Appy | Crédito: Valter Campanato / Agência Brasil
Com os indicativos recentes de retomada das discussões sobre a reforma tributária, o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) elabora uma proposta para alterar a tributação da renda e da folha de salários. Idealizador da PEC 45/2019, que unifica PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI em um único imposto, o instituto pretende colaborar com o debate travado entre Executivo e Legislativo sobre a desoneração da folha, cuja extensão até 2021 foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro ao sancionar na semana passada a lei que permite a redução salarial na pandemia.
A ideia do CCiF, que tem como um dos diretores o economista Bernard Appy, é tributar da mesma forma todos os rendimentos que são resultado do trabalho, independentemente se são recebidos como pessoa física ou jurídica. Isso porque, considerando o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e a contribuição previdenciária paga pela empresa contratante sobre a folha de salários, a carga fiscal fica diferente no caso de funcionários com carteira assinada, informais e prestadores de serviços que se organizam em regimes simplificados como o Simples Nacional.
Nesse sentido, as principais propostas do CCiF envolvem eliminar a contribuição previdenciária sobre o valor do salário mínimo nos rendimentos de todos os trabalhadores e desvincular da folha de salários o cálculo de contribuições que não geram benefícios previdenciários – a exemplo do Salário Educação e das alíquotas do Sistema S, que poderiam ser apurados a partir de outras bases de cálculo.
Outra medida relevante, para o CCiF, seria eliminar a parcela de contribuição recolhida pela empresa acima do teto do pagamento de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Para compensar, seria elevada proporcionalmente a alíquota de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) paga pelo empregado .
“A ideia é aproximar o máximo possível a tributação da folha com o valor presente do benefício previdenciário”, resumiu Appy ao JOTA.
Por enquanto o CCiF não pretende apresentar o desenho ao Congresso como projeto de lei apadrinhado por um parlamentar. Como o governo federal deu indícios de que apresentará uma proposta diante do veto à extensão da desoneração da folha, a ideia do CCiF é participar dos debates no Legislativo a partir da proposta do Executivo.
Está muito verde a discussão. Vamos ver qual vai ser a proposta do governo, sentar e discutir prós e contras de vários desenhos, tendo como ponto de partida aquilo que deve ser um bom sistema tributário – um que trata situações equivalentes de formas equivalentes
Bernard Appy, diretor do CCiF
Nesse sentido, o instituto defende que o Congresso dê espaço para discussões e não altere a tributação da renda às pressas. “Como isso vai entrar no Congresso não sei, nosso trabalho é dar insumos técnicos para a discussão política. Estamos esperando para ver como o assunto vai entrar em discussão. Nosso único desejo é que entre com espaço para debate técnico sobre o assunto”, afirmou Appy.

Contribuição acima do teto do INSS

De acordo com o CCiF, a eliminação da contribuição previdenciária acima do teto do INSS, fixado em R$ 6.101,06, justifica-se porque o valor excedente pago pela empresa se torna um custo sobre o trabalho, já que não será devolvido ao empregado na forma de benefícios como aposentadoria.
“Então do ponto de vista econômico é estritamente equivalente a um imposto sobre a renda ao empregado, porque não gera benefício para ele”, afirmou Appy. Para compensar a eliminação da contribuição previdenciária acima do teto, a alíquota do IRPF seria elevada proporcionalmente.
Considerando a tributação atual pelo IRPF e pela contribuição previdenciária, a alíquota marginal sobre a renda do trabalhador formal que ganha acima de R$ 6,1 mil é de cerca de 42%, segundo cálculos do CCiF. No caso do servidor público, por outro lado, o percentual da tributação para a mesma faixa de renda cai para 27,5%.
No caso de prestadores de serviço que têm uma empresa no lucro presumido, o que pode ser feito por pessoas com salários ainda mais altos, a alíquota marginal se limita a 10% para quem ganha até R$ 50 mil. Para além desse valor mensal, a carga fiscal pode chegar a 13,2%. Os percentuais são baixos porque os regimes simplificados de tributação reduzem a contribuição previdenciária e o IRPJ, já que a distribuição do lucro ao sócio pessoa física é isenta.
“A gente mora em um país em que o empregado formal que ganha mais de R$ 6.100 tem uma alíquota marginal de 42%, o servidor público tem uma alíquota de 27,5%, a PJ [Pessoa Jurídica] do lucro presumido que ganha R$ 40 mil tem uma alíquota de 10%, e a que ganha R$ 100 mil tem uma alíquota de 13,2%. É isso. Isso é a tributação da renda no Brasil”, sintetizou Appy.
Quanto aos regimes simplificados de tributação, apesar de não ter concluído uma proposta para apresentar ao público, o CCiF defende que a carga fiscal se aproxime daquela verificada para os demais rendimentos do trabalho.
“Nos regimes simplificados existe mais de uma alternativa, mas a ideia é aproximar. No fundo estamos pensando um modelo em que na prática você estimula o investimento produtivo, mas a renda que foi recebida, que é equivalente a uma renda do trabalho, deve ser tributada como renda do trabalho”, afirmou.

Desoneração do salário mínimo

Já a proposta de desonerar a folha no primeiro salário mínimo, tanto para quem recebe esse valor mensal quanto para salários mais altos, deve-se a uma distorção no sistema atual relacionada à informalidade. Isso porque o trabalhador com carteira assinada que recebe um salário mínimo e contribuiu com a Previdência durante 30 anos se aposenta para receber esse mesmo valor. Já um informal que nunca contribuiu com o INSS pode receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) de um salário mínimo ao completar 65 anos.
“Para o trabalhador formal que ganha um salário mínimo, o custo da contribuição para a Previdência é muito alto em relação ao benefício recebido por ele”, argumentou Appy. No caso da baixa renda, os benefícios aos quais só o empregado com carteira assinada têm direito são aqueles relacionados a riscos, como auxílio doença ou auxílio invalidez.
Apesar de apresentar em linhas gerais a proposta de alteração da tributação de renda, o economista não definiu quais seriam as novas alíquotas de IRPF e contribuição previdenciária no sistema proposto. “A decisão sobre quais vão ser as alíquotas é política, não é uma decisão técnica”, avaliou.

CCiF: PEC 45 e tributação de serviços

Além do debate sobre possíveis mudanças na tributação da renda, os membros do CCiF comentaram críticas sofridas pela PEC 45 sobre um suposto aumento da carga tributária no setor de serviços. O principal embate do setor contra a proposta é o valor da alíquota unificada de 25%, defendida pelo CCiF para o modelo tributário que unifica PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.
Os defensores da PEC 45 afirmam que há outras questões tributárias que fazem com que a proposta não seja uma “inimiga” do setor. Para eles, a nova alíquota de 25% gera, ao longo da cadeia de tributação, uma redução da carga tributária, principalmente com a possibilidade de creditamento integral.
“Há muitas questões que precisam ser consideradas. A primeira é que, muitas vezes, as pessoas olham o montante de imposto que pagam no faturamento e comparam com a alíquota presente na PEC 45. Há uma série de cumulatividades que estão na base do setor do serviço e, portanto, o aumento efetivo de alíquota é bem menor do que as pessoas estimam”, afirmou Bernard Appy.
Appy acredita que, na prática, existirá uma redução de carga tributária no setor. “No IBS será paga uma alíquota maior, mas há o crédito integral para quem está na etapa seguinte”, acrescenta o economista.
“Toda prestação de serviço no meio da cadeia vai ser beneficiada. Atualmente, não é pago somente o ISS. Há também PIS e Cofins. Isso, geralmente, não dá crédito para a etapa subsequente. Portanto, há o pagamento de um imposto que não é recuperado na etapa posterior”, afirma Appy.
Sobre a prestação de serviço ao consumidor final, Appy afirmou que uma parte considerável das empresas está no Simples Nacional e, por isso, não será afetada pela PEC 45. “Além disso, quem consome serviços no Brasil são as famílias ricas, não as pobres”, explicou o economista.
O tributarista Eurico Santi, também diretor do CCiF, questionou a separação feita no Brasil entre mercadorias e serviços para efeitos de tributação. “Temos esse modelo de difícil organização de competência que ficou com os municípios. Com isso, temos essa guerra fiscal absurda. Software e Netflix são mercadorias ou serviços? Hoje em dia isso está tudo misturado”, diz Santi.
Para ele, o atual modelo é “injustificável”. “A PEC 45 está fundindo as duas bases”, afirmou. Segundo o tributarista, ainda existe um debate “alienado” sobre as alíquotas. “Hoje em dia, o setor de serviço pensa ‘pago 5% de ISS e mais 3,65% de PIS e Cofins. Agora, vão aumentar para 25%?’”.
Santi explica que ao pensar dessa forma, o setor deixa de enxergar a não cumulatividade. “Na PEC 45, quem está no meio da cadeia vai passar o crédito. Há a cobrança de 25%, mas também está no crédito de 25%. Então, existe somente o pagamento para a frente”, afirmou o advogado.
Ele acrescenta que a alíquota de 25% serviria para recompor a atual arrecadação tributária. “É um 25% honesto”, concluiu Santi. “Estamos garantindo efetivamente a não cumulatividade. Não tem mais crédito físico com a discussão, por exemplo, se o óleo entrou ou não na mercadoria. Estamos dando crédito para tudo, devolvendo dinheiro para o contribuinte na forma de crédito”, diz.