Informativo 681

 TERCEIRA SEÇÃO

PROCESSO RMS 61.302-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por

maioria, julgado em 26/08/2020, DJe 04/09/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA

Direito à privacidade e à intimidade. Identificação de usuários em

determinada localização geográfica. Imposição que não indica pessoa

individualizada. Requisição de dados pessoais armazenados por provedor

de serviços de internet. Ausência de ilegalidade ou de violação dos

princípios e garantias constitucionais. Fundamentação da medida.

Necessidade.

DESTAQUE

 A determinação judicial de quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros),

relacionados à identificação de usuários que operaram em determinada área geográfica,

suficientemente fundamentada, não ofende a proteção constitucional à privacidade e à intimidade.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

 Os direitos à vida privada e à intimidade fazem parte do núcleo de direitos relacionados às

liberdades individuais, sendo, portanto, protegidos em diversos países e em praticamente todos os

documentos importantes de tutela dos direitos humanos. No Brasil, a Constituição Federal, no art.

5º, X, estabelece que: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Nesse

contexto, a ideia de sigilo expressa verdadeiro direito da personalidade, notadamente porque se

traduz em garantia constitucional de inviolabilidade dos dados e informações inerentes a pessoa,

advindas também de suas relações no âmbito digital.

 Em uma sociedade em que a informação é compartilhada cada vez com maior velocidade, nada

mais natural que a preocupação do indivíduo em assegurar que fatos inerentes a sua vida pessoal

sejam protegidos, sobretudo diante do desvirtuamento ou abuso de interesses de terceiros.

Entretanto, mesmo reconhecendo que o sigilo é expressão de um direito fundamental de alta

relevância ligado à personalidade, a doutrina e a jurisprudência compreendem que não se trata de

um direito absoluto, admitindo-se a sua restrição quando imprescindível ao interesse público.

 De fato, embora deva ser preservado na sua essência, este Superior Tribunal de Justiça, assim

como a Suprema Corte, entende que é possível afastar a proteção ao sigilo quando presentes

circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante, invariavelmente por meio

de decisão proferida por autoridade judicial competente, suficientemente fundamentada, na qual se

justifique a necessidade da medida para fins de investigação criminal ou de instrução processual

criminal, sempre lastreada em indícios que devem ser, em tese, suficientes à configuração de

suposta ocorrência de crime sujeito à ação penal pública.

 Importante ressaltar que a determinação de quebra de dados informáticos estáticos, relativos a

arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados

pessoais a eles vinculados, é absolutamente distinta daquela que ocorre com as interceptações das

comunicações, as quais dão acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do

conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário. Há uma distinção conceitual entre a

quebra de sigilo de dados armazenados e a interceptação do fluxo de comunicações. Decerto que o

art. 5º, X, da CF/88 garante a inviolabilidade da intimidade e da privacidade, inclusive quando os

dados informáticos constarem de banco de dados ou de arquivos virtuais mais sensíveis. Entretanto,

o acesso a esses dados registrados ou arquivos virtuais não se confunde com a interceptação das

comunicações e, por isso mesmo, a amplitude de proteção não pode ser a mesma.

 Com efeito, o procedimento de que trata o art. 2º da Lei n. 9.296/1996, cujas rotinas estão

previstas na Resolução n. 59/2008 (com alterações ocorridas em 2016) do CNJ, os quais

regulamentam o art. 5º, XII, da CF, não se aplicam a procedimento que visa a obter dados pessoais

estáticos armazenados em seus servidores e sistemas informatizados de um provedor de serviços de

internet. A quebra do sigilo desses dados, na hipótese, corresponde à obtenção de registros

informáticos existentes ou dados já coletados.

 Ademais, não há como pretender dar uma interpretação extensiva aos referidos dispositivos, de

modo a abranger a requisição feita em primeiro grau, porque a ordem é dirigida a um provedor de

serviço de conexão ou aplicações de internet, cuja relação é devidamente prevista no Marco Civil da

Internet, o qual não impõe, entre os requisitos para a quebra do sigilo, que a ordem judicial

especifique previamente as pessoas objeto da investigação ou que a prova da infração (ou da

autoria) possa ser realizada por outros meios.

 Nota-se que os arts. 22 e 23 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) não exigem a

indicação ou qualquer elemento de individualização pessoal na decisão judicial. Assim, para que o

magistrado possa requisitar dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet,

mostra-se satisfatória a indicação dos seguintes elementos previstos na lei: a) indícios da ocorrência

do ilícito; b) justificativa da utilidade da requisição; e c) período ao qual se referem os registros. Não é 

necessário, portanto, que o magistrado fundamente a requisição com indicação da pessoa alvo da

investigação, tampouco que justifique a indispensabilidade da medida, ou seja, que a prova da

infração não pode ser realizada por outros meios.

 Logo, a quebra do sigilo de dados armazenados, de forma autônoma ou associada a outros dados

pessoais e informações, não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que

estão sendo investigadas, até porque o objetivo precípuo dessa medida, na expressiva maioria dos

casos, é justamente de proporcionar a identificação do usuário do serviço ou do terminal utilizado.

 De se observar, quanto à proporcionalidade da quebra de dados informáticos, se a determinação

judicial atende aos seguintes critérios: a) adequação ou idoneidade (dos meios empregados para se

atingir o resultado); b) necessidade ou proibição de excesso (para avaliar a existência ou não de

outra solução menos gravosa ao direito fundamental em foco); c) proporcionalidade em sentido

estrito (para aferir a proporcionalidade dos meios empregados para o atingimento dos fins

almejados).

 Logo, a ordem judicial para quebra do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa

em determinada região e por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto,

tendo como norte a apuração de gravíssimos crimes, não impõe risco desmedido à privacidade e à

intimidade dos usuários possivelmente atingidos por tal diligência.


PROCESSO CC 166.732-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em
14/10/2020, DJe 21/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Crime de falso testemunho. Processo em trâmite no TJDFT. Ausência de
interesse da União. Competência da Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios.

DESTAQUE
 A Justiça do Distrito Federal é a competente para julgar o crime de falso testemunho praticado em
processos sob sua jurisdição.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Ao desenhar a partição de competências do Poder Judiciário da União, a Constituição da
República dividiu-o em cinco ramos: 1) Justiça Comum Federal; 2) Justiça Eleitoral; 3) Justiça do
Trabalho; 4) Justiça Militar; e 5) Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
Segundo a Súmula 165/STJ, "compete à justiça federal processar e julgar crime de falso
testemunho cometido no processo trabalhista". Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da ADI 3.684 concluiu, em definitivo, faltar à Justiça do Trabalho jurisdição penal (Rel.
Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 29/05/2020). Exceptuada a Justiça do Trabalho, todos
os demais ramos do Poder Judiciário da União têm jurisdição penal.
 Ocorre que, em 1992, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça proferiu acórdão no qual
firmou a competência da Justiça Federal para julgar crime de falso testemunho praticado contra a
administração da Justiça Eleitoral (CC 2.437/SP, Rel. Ministro José Dantas, DJ 06/04/1992). Pela
jurisprudência do STJ, portanto, no caso de depoimento falso constatado em causa no âmbito do
Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, é da Justiça Federal a competência para processar e
julgar tal delito.
 No âmbito da Justiça Militar o Superior Tribunal Militar reconhece a atribuição da Justiça
Castrense para o crime de falso testemunho (art. 346 do Código Penal Militar) cometido em
processos de sua jurisdição.
 Entretanto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ao contrário da Justiça
Trabalhista, detém atribuições criminais (como também as Justiças Eleitoral e a Militar). Todavia,
diferentemente de todos outros braços do Poder Judiciário da União, o TJDFT possui natureza
híbrida, pois sua competência jurisdicional corresponde à dos Tribunais estaduais (ou seja, não se
trata de Justiça especializada). Por isso, o Superior Tribunal de Justiça proferiu julgados nos quais
consignou que outros crimes (diversos do falso testemunho) cometidos contra o MPDFT ou o TJDFT
não são processados e julgados na Justiça Comum Federal.
 Em conclusão, a índole sui generis da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, distinta por sua
atribuição jurisdicional equivalente à dos Tribunais estaduais, impede o reconhecimento de
interesse direto da União na causa.

PROCESSO HC 568.693-ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 16/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Prisão preventiva. Liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança. Pandemia de covid-19. Recomendação n. 62/CNJ. Excepcionalidade das prisões. Ordem concedida. Extensão dos efeitos para todo o território nacional.

DESTAQUE Em razão da pandemia de covid-19, concede-se a ordem para a soltura de todos os presos a quem foi deferida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança e que ainda se encontram submetidos à privação cautelar em razão do não pagamento do valor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR Busca-se no habeas corpus coletivo, a soltura de todos os presos do estado do Espírito Santo que tiveram o deferimento da liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança. Não se pode olvidar que o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação n. 62/2020, em que recomenda aos tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da
infecção pelo novo coronavírus - covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.
 Nesse contexto, corroborando com a evidência de notória e maior vulnerabilidade do ambiente
carcerário à propagação do novo coronavírus, nota técnica apresentada após solicitação
apresentada pela Coordenação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no Distrito Federal -
IBCCrim/DF, demonstra que, sendo o distanciamento social tomado enquanto a medida mais efetiva
de prevenção à infecção pela covid-19, as populações vivendo em aglomerações, como favelas e
presídios, mostram-se significativamente mais sujeitas a contrair a doença mesmo se
proporcionados equipamentos e insumos de proteção a estes indivíduos.
 Por sua vez, a Organização das Nações Unidas (ONU), admitindo o contexto de maior
vulnerabilidade social e individual das pessoas privadas de liberdade em estabelecimentos penais,
divulgou, em 31/3/2020, a Nota de Posicionamento - Preparação e respostas à covid-19 nas prisões.
Dentre as análises realizadas, a ONU afirma a possível insuficiência de medidas preventivas à
proliferação da covid-19 nos presídios em que sejam verificadas condições estruturais de alocação
de presos e de fornecimento de insumos de higiene pessoal precárias, a exemplo da superlotação
prisional. Assim, a ONU recomenda a adoção de medidas alternativas ao cárcere para o
enfrentamento dos desafios impostos pela pandemia aos já fragilizados sistemas penitenciários
nacionais e à situação de inquestionável vulnerabilidade das populações neles inseridas.
 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) igualmente afirmou, por meio de sua
Resolução n. 1/2020, a necessidade de adoção de medidas alternativas ao cárcere para mitigar os
riscos elevados de propagação da covid-19 no ambiente carcerário, considerando as pessoas
privadas de liberdade como mais vulneráveis à infecção pelo novo coronavírus se comparadas
àquelas usufruindo de plena liberdade ou sujeitas a medidas restritivas de liberdade alternativas à
prisão.
 Por essas razões, somadas ao reconhecimento, pela Corte, na ADPF n. 347 MC/DF, de que nosso
sistema prisional se encontra em um estado de coisas inconstitucional, é que se faz necessário dar
imediato cumprimento às recomendações apresentadas no âmbito nacional e internacional, que
preconizam a máxima excepcionalidade das novas ordens de prisão preventiva, inclusive com a
fixação de medidas alternativas à prisão, como medida de contenção da pandemia mundialmente
causada pelo coronavírus (covid-19).
 Assim, nos termos em que preconiza o Conselho Nacional de Justiça em sua Resolução, não se
mostra proporcional a manutenção dos investigados na prisão, tão somente em razão do não
pagamento da fiança, visto que os casos - notoriamente de menor gravidade - não revelam a
excepcionalidade imprescindível para o decreto preventivo.
 Ademais, o Judiciário não pode se portar como um Poder alheio aos anseios da sociedade, sabe-se
do grande impacto financeiro que a pandemia já tem gerado no cenário econômico brasileiro,
aumentando a taxa de desemprego e diminuindo ou, até mesmo, extirpando a renda do cidadão
brasileiro, o que torna a decisão de condicionar a liberdade provisória ao pagamento de fiança ainda
mais irrazoável.

PRIMEIRA TURMA
PROCESSO REsp 1.856.498-PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma,
por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 13/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO ADMINISTRATIVO

TEMA Precatório ou Requisição de Pequeno Valor - RPV. Cancelamento. Arts. 2º e
3º da Lei n. 13.463/2017. Reexpedição. Prescrição. Inocorrência.

DESTAQUE
 É imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova Requisição de Pequeno
Valor - RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei n. 13.463/2017.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Cinge-se a controvérsia sobre a ocorrência de eventual prescrição ante o transcurso de mais de
cinco anos entre a data da expedição da RPV originária e a data do requerimento para expedição de
novo requisitório de pagamento - previsão contida no art. 3º da Lei n. 13.463/2017, em virtude de
seu cancelamento.
 A previsão no referido artigo é expressa ao determinar que, havendo o cancelamento do
precatório ou RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor, não
havendo, por opção do legislador, prazo prescricional para que o credor faça a respectiva
solicitação. Esse dispositivo legal deixa à mostra que não se trata de extinção de direito do credor do
precatório ou RPV, mas sim de uma postergação para recebimento futuro, quando tiverem
decorridos 2 anos da liberação, sem que o credor levante os valores correspondentes.
 De acordo com o sistema jurídico brasileiro, nenhum direito perece sem que haja previsão
expressa do fenômeno apto a produzir esse resultado. Portanto, não é lícito estabelecer-se, sem lei
escrita, ou seja, arbitrariamente, uma causa inopinada de prescrição.
 Por outro lado, o retorno dos valores do precatório ou RPV, havendo seu cancelamento depois de
um biênio, tem todo o aspecto de um empréstimo ao ente público pagador, tanto que o credor
poderá requerer novo requisitório, sem limite de tempo e sem quantificação do número de vezes.
 Com efeito, por ausência de previsão legal quanto ao prazo para que o credor solicite a
reexpedição do precatório ou RPV, não há que se falar em prescrição, sobretudo por se tratar do
exercício de um direito potestativo, o qual não estaria sujeito à prescrição, podendo ser exercido a
qualquer tempo. Precedentes: REsp. 1.827.462/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11.10.2019;
AgRg no REsp. 1.100.377/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 18.3.2013.
 Efetuado o depósito dos valores do precatório ou RPV, os montantes respectivos se transferem à
propriedade do credor, pois saem da esfera de disponibilidade patrimonial do ente público. Sendo
de sua propriedade, o credor pode optar por sacá-los quando bem entender; eventual subtração da
quantia que lhe pertence, para retorná-la em caráter definitivo aos cofres públicos, configuraria
verdadeiro confisco - ou mesmo desapropriação de dinheiro, instituto absolutamente esdrúxulo e

PROCESSO REsp 1.579.967-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por
unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 09/10/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO TRIBUTÁRIO
TEMA Contribuição previdenciária sobre receita bruta - CPRB. Operações de
vendas destinadas à Zona Franca de Manaus. Equivalência à exportação.
Isenção.
DESTAQUE
 As receitas decorrentes das operações de vendas de mercadorias destinadas à Zona Franca de
Manaus devem ser excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 A Lei n. 12.546/2011, com redação dada pela Lei n. 12.844/13, criou espécie de contribuição
previdenciária substitutiva: "até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita
bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, à alíquota de 1%
(um por cento), em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei n.
8.212/1991, as empresas que fabricam os produtos classificados na TIPI, aprovada pelo Decreto n.
7.660/2011, nos códigos referidos no Anexo desta Lei" (art. 8º); e dispôs que, "para fins do disposto
nos arts. 7º e 8º, exclui-se da base de cálculo das contribuições a receita bruta de exportações" (art.
9º, II).
 Por sua vez, a Zona Franca de Manaus constitui área de livre comércio instituída pelo Decreto-lei
n. 288/1967, cujo art. 4º veicula incentivo fiscal especial, estabelecendo que "a exportação de
mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou
reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor,
equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro".
 As vendas de mercadorias para a Zona Franca de Manaus, na linha de pacífico entendimento
jurisprudencial deste Tribunal Superior, são alcançadas pela regra do art. 9º, II, da Lei n.
12.546/2011.
 A propósito, a Segunda Turma tem assim entendido: "a venda de mercadorias para empresas
situadas na Zona Franca de Manaus equivale à exportação de produto brasileiro para o estrangeiro,
em termos de efeitos fiscais, segundo interpretação do Decreto-lei n. 288/1967, de modo que, com
base nesse entendimento consolidado, é possível concluir que não incide sobre tais receitas a
contribuição substitutiva prevista na Lei n. 12.546/2011" (AgInt no REsp 1.736.363/PR, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 06/09/2018, DJe 13/09/2018).

TERCEIRA TURMA

PROCESSO REsp 1.649.595-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL

TEMA Alienação fiduciária de imóvel. Lei n. 9.514/1997. Consolidação da
propriedade em nome do credor fiduciário. Purgação da mora. Após
vigência da Lei n. 13.465/2017. Impossibilidade. Assegurado ao devedor
fiduciante o direito de preferência.

DESTAQUE
Nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, com a entrada em
vigor da Lei n. 13.465/2017, não se admite a purgação da mora após a consolidação da propriedade
em favor do credor fiduciário, sendo assegurado ao devedor fiduciante tão somente o exercício do
direito de preferência.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Segundo o entendimento do STJ, a purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com
garantia de alienação fiduciária, submetidos à disciplina da Lei n. 9.514/1997, é admitida no prazo
de 15 (quinze) dias, conforme previsão do art. 26, § 1º, da lei de regência, ou a qualquer tempo, até a
assinatura do auto de arrematação, com base no art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966, aplicado
subsidiariamente às operações de financiamento imobiliário relativas à Lei n. 9.514/1997.
 Sobrevindo a Lei n. 13.465/2017, que introduziu no art. 27 da Lei n. 9.514/1997 o § 2º-B, não se
cogita mais da aplicação subsidiária do Decreto-Lei n. 70/1966, uma vez que, consolidada a
propriedade fiduciária em nome do credor fiduciário, descabe ao devedor fiduciante a purgação da
mora, sendo-lhe garantido apenas o exercício do direito de preferência na aquisição do bem imóvel
objeto de propriedade fiduciária.
 Desse modo: I) antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, nas situações em que já
consolidada a propriedade e purgada a mora nos termos do art. 34 do Decreto-Lei n. 70/1966 (ato
jurídico perfeito), impõe-se o desfazimento do ato de consolidação, com a consequente retomada do
contrato de financiamento imobiliário; II) a partir da entrada em vigor da lei nova, nas situações em
que consolidada a propriedade, mas não purgada a mora, é assegurado ao devedor fiduciante tão
somente o exercício do direito de preferência previsto no § 2º-B do art. 27 da Lei n. 9.514/1997.

PROCESSO REsp 1.704.189-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma,
por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL

TEMA Violação de direito autoral. Trecho de obra musical. Fonograma. Nome de
programa televisivo. Autorização prévia e expressa. Inexistência. Uso indevido. Danos patrimoniais. Caracterização.

DESTAQUE
A utilização do trecho de maior sucesso de obra musical como título de programa televisivo, em
conjunto com o fonograma, sem autorização do titular do direito, viola os direitos patrimoniais do
autor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 No Brasil, a Lei n. 9.610/1998 (LDA), que disciplina os direitos de autor e os direitos conexos,
reconhece o duplo aspecto do direito autoral. De um lado, a lei protege os direitos de natureza moral
do autor, relacionados à defesa e à proteção da autoria e da integridade da obra (arts. 24 a 27 da
LDA). São, em sua essência, direitos de personalidade do autor e como tais, irrenunciáveis e
inalienáveis.
 De outro lado, tem-se os direitos de conteúdo patrimonial, que conferem ao autor "o direito
exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica" (art. 28 da LDA) e que
garantem a ele o aproveitamento econômico de sua obra, protegendo os meios pelos quais o autor
poderá obter vantagens pecuniárias de sua criação. Por esse motivo, qualquer forma de utilização da
obra por pessoa diversa do autor dependerá de sua prévia e expressa autorização (art. 29 da LDA).
 A LDA, contudo, dispõe acerca dos limites ao direito do autor, prevendo hipóteses em que a
utilização da obra não constituirá ofensa aos direitos autorais (arts. 46 a 48 da LDA). Dentre essas
limitações, destaca-se a citação de pequenos trechos de obras preexistentes "sempre que a
reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração
normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos
autores" (inciso VIII do art. 46, da LDA).
 Assim, nos termos da legislação em vigor, e tendo como parâmetro a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça a respeito do tema, verifica-se, a princípio, que poderá haver violação de direitos
patrimoniais do autor quando houver a utilização, sem autorização do titular do direito, tanto do
fonograma, quanto de trecho da obra musical, desde que esse uso não esteja amparado pelos limites
previstos em lei (arts. 46 a 48 da LDA).
 No caso, a escolha do trecho de maior sucesso da obra musical como título de programa televisivo
e seu uso em conjunto com o fonograma, gerou uma associação inadequada do autor da obra
musical com a emissora, que utilizou o sucesso da música como título em sua programação semanal
também como forma de atrair audiência.

PROCESSO REsp 1.859.606-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria,
julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL

TEMA Plano de saúde. Custeio de tratamento médico. Infertilidade coexistente à endometriose e baixa reserva ovariana. Fertilização in vitro. Cobertura não
obrigatória.

DESTAQUE
A operadora de plano de saúde não é obrigada a custear o procedimento de fertilização in vitro
associado ao tratamento de endometriose profunda.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.815.796/RJ (DJe de 09/06/2020), fez a distinção entre o
tratamento da infertilidade - que, segundo a jurisprudência, não é de cobertura obrigatória pelo
plano de saúde (REsp 1.590.221/DF, Terceira Turma, julgado em 07/11/2017, DJe de 13/11/2017)
- e a prevenção da infertilidade, enquanto efeito adverso do tratamento prescrito ao paciente e
coberto pelo plano de saúde.
 Na ocasião daquele julgamento, decidiu-se pela necessidade de atenuação dos efeitos colaterais,
previsíveis e evitáveis da quimioterapia, dentre os quais a falência ovariana, em atenção ao princípio
médico primum non nocere e à norma que emana do art. 35-F da Lei n. 9.656/1998, e se concluiu
pela manutenção da condenação da operadora à cobertura de parte do procedimento de reprodução
assistida pleiteado, cabendo à beneficiária arcar com os eventuais custos a partir da alta do
tratamento quimioterápico.
No particular, diferentemente do contexto delineado no mencionado REsp 1.815.796/RJ, verificase que o procedimento de fertilização in vitro não foi prescrito à parte para prevenir a infertilidade
decorrente do tratamento para a endometriose, senão como tratamento da infertilidade coexistente
à endometriose, a cuja cobertura não está obrigada a operadora do plano de saúde.
É dizer, não se evidencia que a infertilidade é efeito colateral, previsível e evitável do tratamento
prescrito para a endometriose, mas uma patologia que preexiste a este, associada à baixa reserva
ovariana e à endometriose, cujo tratamento é feito por meio dos procedimentos de reprodução
assistida.
Constata-se, assim, que a fertilização in vitro não é o único recurso terapêutico para a patologia,
mas uma alternativa à cirurgia que resolve o problema da infertilidade a ela associada.

PROCESSO HC 569.014-RN, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 14/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

TEMA Devedor de alimentos. Regime fechado. Pedido de soltura. Pandemia do
novo coronavírus. Análise caso a caso. Manifesta teratologia/ilegalidade.
Antes ou depois da Lei n. 10.410/2020.

DESTAQUE
É ilegal/teratológica a prisão civil do devedor de alimentos, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei n. 14.010/2020.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Trata-se de ato coator consistente no indeferimento do pedido coletivo liminar em habeas corpus
impetrado na origem, De seus termos, ressai clara a possibilidade de subsistir o aprisionamento em
estabelecimento coletivo de devedor de alimentos durante a pandemia causada pelo Coronavírus
(Covid-19), devendo-se levar em consideração, determinadas circunstâncias, como o estado de
saúde do devedor.
 O ato coator, no cenário pandêmico em que se vivencia, encerra manifesta teratologia.
 Em atenção: I) ao estado de emergência em saúde pública declarado pela Organização Mundial de
Saúde, que perdura até os dias atuais, decorrente da pandemia de Covid-19, doença causada pelo
Coronavírus (Sars-Cov-2); II) à adoção de medidas necessárias à contenção da disseminação levadas
a efeito pelo Poder Público, as quais se encontram em vigor; III) à Recomendação n. 62 do Conselho
Nacional de Justiça consistente na colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida
alimentícia; e, mais recentemente, IV) à edição da Lei n. 14.010/2020, de 10 de junho de 2020, que
determinou, expressamente, que, até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida de alimentos
seja cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das
respectivas obrigações, mostra-se flagrante a ilegalidade no ato atacado.
 As Turmas de Direito Privado do STJ são uníssonas em reconhecer a indiscutível
ilegalidade/teratologia da prisão civil, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou
posterior à Lei n. 14.010/2020.
 A divergência subsistente no âmbito das Turmas de Direito Privado refere-se apenas ao período
anterior à edição da Lei n. 14.010/2020, tendo esta Terceira Turma, no tocante a esse interregno,
compreendido ser possível o diferimento da prisão civil para momento posterior ao fim da
pandemia; enquanto a Quarta Turma do STJ tem reconhecido a necessidade de aplicar o regime
domiciliar.

PROCESSO REsp 1.823.284-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma,
por unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 15/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL

TEMA Ação redibitória. Aquisição de veículo defeituoso. Rescisão contratual.
Restituição dos valores pagos. Devolução do veículo. Obrigatoriedade.
Vedação ao enriquecimento sem causa.

DESTAQUE
É obrigatória a devolução de veículo considerado inadequado ao uso após a restituição do preço
pelo fornecedor no cumprimento de sentença prolatada em ação redibitória.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O enunciado normativo do art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, confere ao
consumidor, nas hipóteses de constatação de vício que torne inadequado o produto adquirido ao
uso a que se destina, três alternativas, dentre as quais, a restituição imediata da quantia paga,
monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
 Evidente, portanto, a intenção do legislador de conferir ao consumidor, entre outras alternativas,
o direito à rescisão do contrato de compra e venda, em face da ocorrência do vício de qualidade do
produto que o torne impróprio ao uso a que se destina, retornando às partes ao status quo ante com
a extinção do vínculo contratual.
 Assim, acolhida a pretensão redibitória do consumidor, rescinde-se o contrato de compra e
venda, retornando as partes à situação anterior à sua celebração (status quo ante), sendo uma das
consequências automáticas da sentença a sua eficácia restitutória, com a restituição atualizada do
preço pelo vendedor e devolução da coisa adquirida pelo comprador.
 Naturalmente, essa alternativa conferida ao consumidor deve ser compreendida à luz dos
princípios reitores do sistema de Direito Privado, especialmente os princípios da boa-fé objetiva e
da vedação do enriquecimento sem causa.
 A boa-fé objetiva, na sua função de controle, limita o exercício dos direitos subjetivos e estabelece
para o credor, ao exercer o seu direito, o dever de se ater aos limites por ela traçados, sob pena de
uma atuação antijurídica. Por sua vez, a venire contra factum proprium, é o exercício de uma
posição jurídica desleal e em contradição com o comportamento anterior do exercente.
 Constitui obrigação do consumidor devolver o veículo viciado à fornecedora, sob pena de afronta
ao art. 884, do Código Civil, de vez que o recebimento da restituição integral e atualizada do valor
pago, sem a devolução do bem adquirido, ensejaria o enriquecimento sem causa do consumidor.

PROCESSO REsp 1.790.004-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO EMPRESARIAL

TEMA Duplicata. Assinatura do sacador/emitente. Literalidade indireta.
Requisito suprido por outro meio. Possibilidade.

DESTAQUE
 A assinatura do sacador/emitente da duplicata é requisito que pode ser suprido por outro meio.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Inicialmente, quanto à essencialidade ou possibilidade de suprimento da assinatura do emitente
na duplicata, deve-se ter em vista que, distintamente da letra de câmbio - na qual que essa
circunstância ocorre apenas eventualmente -, na duplicata o beneficiário da ordem de pagamento é
o próprio sacador/emitente, que também é o vendedor da mercadoria ou prestador do serviço que
serve de causa ao nascimento desse título de crédito.
Ademais, mesmo que a assinatura seja, em tese, essencial e suficiente para o nascimento do título
de crédito, por consistir na representação material da declaração unilateral de vontade criadora do
título, deve-se observar que a função da assinatura do emitente é a de garantir a sua
responsabilização perante terceiros, o que somente ocorre de maneira eventual, na hipótese de
circulação do título de crédito.
 Não se deve, ademais, olvidar que a duplicata, por ser um título causal, permite a incidência da
literalidade indireta, que autoriza a identificação de seus elementos no documento da compra e
venda mercantil ou da prestação de serviços que lhe serve de ensejo, pois o devedor tem a ciência de
que aquela obrigação também tem seus limites definidos em outro documento.
 A jurisprudência do STJ já admitiu a remissão a elemento essencial constante em documento
externo, mas vinculado ao título de crédito causal, adotando, pois, a literalidade indireta.
 Com efeito, já se decidiu que "descabe extinguir execução pelo só fato de inexistir data de emissão
da nota promissória, quando possível tal aferição no contrato a ela vinculado" (REsp 968.320/MG,
Quarta Turma, DJe 03/09/2010, sem destaque no original).
 Dessa forma, como a) se admite a configuração de título executivo extrajudicial mesmo sem a
apresentação física da duplicata, pela mera menção a seus elementos - conforme expressamente
permitido pelo protesto por indicação previsto no art. 13, § 1º, da Lei n. 5.474/1968 - somada ao
comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação de serviços e b) por incidência da
literalidade indireta, segundo a qual ser permite inferir a assinatura do emitente das notas fiscais e
faturas juntadas à duplicata, o requisito da assinatura do emitente deve ser considerado suprível
nessa específica modalidade de título de crédito, sobretudo quando não ocorre sua circulação.

PROCESSO REsp 1.867.694-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma,
julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO EMPRESARIAL

TEMA Sobrestamento e reforma de decisão que defere o processo de
recuperação judicial. Validade de atos constritivos realizados em ações
individuais no interregno em que a decisão de deferimento do
processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou
reformada. Provimento judicial final que reconhece o acerto do
processamento da recuperação judicial. Restabelecimento de todos os
efeitos legais desde a sua prolação. Reconhecimento.

DESTAQUE
A validade dos atos executivos realizados no bojo das execuções individuais, no interregno em
que a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou
mesmo reformada (porém, sujeita a revisão por instância judicial superior), fica condicionada à
confirmação, por provimento judicial final, de que o empresário, de fato, não fazia jus ao deferimento do processamento de sua recuperação judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Cinge-se a controvérsia a analisar a validade e a subsistência dos atos executivos realizados no
bojo de execuções individuais promovidas por credores, consistentes no arresto, no depósito e a na
remoção de produtos agrícolas, objeto de garantia pignoratícia, em interregno no qual a decisão de
deferimento do processamento da recuperação judicial dos executados havia sido reformada.
 Os atos executivos ocorreram após o Tribunal de origem ter, em grau recursal, reformado a
decisão de primeira instância que havia deferido o pedido de processamento de recuperação
judicial, por reputar não comprovado o exercício da atividade agrícola pelo período de 2 (dois) anos
contados do registro de produtor rural na Junta Comercial.
 Todavia, que os efeitos do acórdão foram sobrestados por esta Corte de Justiça, em virtude da
tutela de urgência deferida na TP n. 2.017/MT restabelecendo-se, assim, o deferimento do
processamento da recuperação judicial deferido em primeira instância até o julgamento do REsp
1.821.773/MT.
 Ressalta-se que, uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, este passa a ser o
marco inicial legal de suspensão de todas as execuções individuais que fluem contra o empresário
recuperando, a atrair a competência do Juízo recuperacional para decidir sobre os bens daquele.
 Trata-se de um benefício legal conferido à recuperanda absolutamente indispensável para que
esta, durante tal interregno, possa regularizar e reorganizar suas contas, com vistas à reestruturação
e ao soerguimento econômico-financeiro, sem prejuízo da continuidade do desenvolvimento de sua
atividade empresarial.
 Ainda que aquela decisão da primeira instância seja objeto de impugnação recursal, o provimento
judicial final que venha a reconhecer o acerto da decisão que deferiu o processamento da
recuperação judicial do empresário tem o condão de manter incólumes todos os efeitos legais dela
decorrentes, desde a sua prolação.
 Destaca-se que a lei elegeu, como marco inicial para o stay period - cujo efeito principal consiste
justamente na suspensão de todas as execuções promovidas contra a recuperanda, a atrair a
competência do Juízo recuperacional para decidir sobre os bens daquela) -, a decisão que
(primeiramente) defere o processamento da recuperação judicial.
 Assim, mesmo que esta venha a ser reformada em grau recursal, o provimento judicial final que
reconhece o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial mantém
incólumes todos os efeitos legais dela decorrentes desde a sua prolação, já que este é o marco legal
adotado pela lei para a produção destes.
 Entendimento contrário esvaziaria por completo a recuperação judicial do empresário que
obteve em seu favor o deferimento do processamento desta - confirmado em provimento judicial final -, caso se convalidasse a constrição judicial e o levantamento do patrimônio do recuperando em
favor de determinados credores exarados no âmbito de execuções individuais, durante a tramitação
dos correlatos recursos por período absolutamente indefinido, em detrimento dos demais credores
também submetidos ao processo recuperacional.

PROCESSO REsp 1.811.953-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por
maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR

TEMA Recuperação judicial. Empresário individual rural. Atividade agrícola
organizada há mais de dois anos. Inscrição há menos de dois anos na Junta
Comercial. Possibilidade. Inteligência do art. 48 da LFRE.

DESTAQUE
O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação
judicial, nos termos do art. 48 da Lei n. 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele
anterior ao registro do empreendedor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Com esteio na Teoria da Empresa, em tese, qualquer atividade econômica organizada
profissionalmente submete-se às regras e princípios do Direito Empresarial, salvo previsão legal
específica, como são os casos dos profissionais intelectuais, das sociedades simples, das
cooperativas e do exercente de atividade econômica rural, cada qual com tratamento legal próprio.
 A constituição do empresário rural dá-se a partir do exercício profissional da atividade econômica
rural organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços, sendo irrelevante, à sua
caracterização, a efetivação de sua inscrição na Junta Comercial. Todavia, sua submissão ao regime
empresarial apresenta-se como faculdade, que será exercida, caso assim repute conveniente, por
meio da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.
 Tal como se dá com o empresário comum, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial não o
transforma em empresário. Perfilha-se o entendimento de que, também no caso do empresário
rural, a inscrição assume natureza meramente declaratória, a autorizar, tecnicamente, a produção
de efeitos retroativos (ex tunc).
 A própria redação do art. 971 do Código Civil traz, em si, a assertiva de que o empresário rural
poderá proceder à inscrição. Ou seja, antes mesmo do ato registral, a qualificação jurídica de
empresário - que decorre do modo profissional pelo qual a atividade econômica é exercida - já se faz
presente. Desse modo, a inscrição do empresário rural na Junta Comercial apenas declara, formaliza
a qualificação jurídica de empresário, presente em momento anterior ao registro.
 O empresário rural que objetiva se valer dos benefícios do processo recuperacional, instituto
próprio do regime jurídico empresarial, há de proceder à inscrição no Registro Público de Empresas
Mercantis, não porque o registro o transforma em empresário, mas sim porque, ao assim proceder,
passou a voluntariamente se submeter ao aludido regime jurídico. A inscrição, sob esta perspectiva,
assume a condição de procedibilidade ao pedido de recuperação judicial, como bem reconheceu esta
Terceira Turma, por ocasião do julgamento do REsp 1.193.115/MT, e agora, mais recentemente, a
Quarta Turma do STJ (no REsp 1.800.032/MT) assim compreendeu.
 A inscrição, por ser meramente opcional, não se destina a conferir ao empresário rural o status de
regularidade, simplesmente porque este já se encontra em situação absolutamente regular,
mostrando-se, por isso, descabida qualquer interpretação tendente a penalizá-lo por,
eventualmente, não proceder ao registro, possibilidade que a própria lei lhe franqueou.
 Assim, ainda que relevante para viabilizar o pedido de recuperação judicial, como instituto
próprio do regime empresarial, o registro é absolutamente desnecessário para que o empresário
rural demonstre a regularidade (em conformidade com a lei) do exercício profissional de sua
atividade agropecuária pelo biênio mínimo, podendo ser comprovado por outras formas admitidas
em direito e, principalmente, levando-se em conta período anterior à inscrição.
PROCESSO REsp 1.823.159-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL, DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

TEMA Bem de família. Exceção à regra da impenhorabilidade. Sentença penal
condenatória transitada em julgado. Imprescindibilidade. Art. 3º, VI, da Lei
n. 8.009/1990. Interpretação restritiva.

DESTAQUE
 Para a incidência da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei
n. 8.009/1990, é imprescindível a sentença penal condenatória transitada em julgado.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 A Lei n. 8.009/1990 institui a impenhorabilidade do bem de família como instrumento de tutela
do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo
existencial para uma vida digna.
 No entanto, mesmo esse importantíssimo instituto possui limites de aplicações. A depender das
circunstâncias, a própria Lei n. 8.009/1990 prevê exceções à regra da impenhorabilidade. Assim, o
art. 3º, VI, da mencionada lei dispõe que não é possível opor a impenhorabilidade quando o bem em
questão for adquirido como produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória.
Nessas hipóteses, no cotejo entre os bens jurídicos envolvidos, o legislador preferiu defender o
ofendido por conduta criminosa ao autor da ofensa, conforme nota a doutrina: "essas exceções
significam que a Lei do Bem de Família teve a intenção de balancear valores, privilegiando o valor
moradia, mas ressalvando que o bem de família será penhorável em benefício dos credores por
alimentos, ou por verbas devidas aos trabalhadores da própria residência, ou por garantia real
constituída pelo devedor residente no imóvel etc."
 Sobre efeitos da condenação penal sobre o âmbito cível, é fato que a sentença penal condenatória
produz também efeitos extrapenais, tanto genéricos quanto específicos. Os efeitos genéricos
decorrem automaticamente da sentença, sem necessidade de abordagem direta pelo juiz. Entre
esses efeitos genéricos, há a obrigação de reparar o dano causado, tal como previsto no art. 91, I, do
Código Penal.
 Por se tratar de regra que excepciona a impenhorabilidade do bem de família e decorrer
automaticamente de sentença penal condenatória, a jurisprudência do STJ já se posicionou sobre a
impossibilidade de interpretação extensiva de outros incisos contidos no art. 3º da Lei n.
8.009/1990.
 Por fim, anota-se ser inegável que, para a incidência da exceção prevista no art. 3º, VI, da Lei n.
8.009/1990, faz-se necessária a presença de sentença penal condenatória transitada em julgado, por
não ser possível a interpretação extensiva.

PROCESSO REsp 1.743.951-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 14/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Embargos à execução. Efeito suspensivo. Garantia do juízo. Caução
oferecida em ação conexa. Aproveitamento. Possibilidade.

DESTAQUE
 A caução prestada em ação conexa pode ser aceita como garantia do juízo para a concessão de
efeito suspensivo a embargos à execução.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 O art. 919, § 1º, do CPC/2015 prevê que o magistrado poderá atribuir efeito suspensivo aos
embargos à execução quando presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: (a)
requerimento do embargante; (b) relevância da argumentação; (c) risco de dano grave de difícil ou
incerta reparação; e (d) garantia do juízo.
 No caso, anteriormente ao ajuizamento da ação de execução, houve o ajuizamento de ação de
rescisão contratual cumulada com declaração de inexigibilidade de débito e de multa contratual
cumulada com perdas e danos, questionando a higidez do contrato, bem como ação cautelar de
sustação de protesto onde foi oferecido um bem móvel em garantia em valor superior ao da
execução.
 De fato, as parcelas contratuais que figuram como objeto da ação de execução são as mesmas que
dão sufrágio ao pleito declaratório de inexigibilidade do débito, sendo tais parcelas, também, as
mesmas que foram objeto de protesto pela recorrente e, via de consequência, objeto da ação de
sustação de protesto, na qual foi concedida a providência liminar . Isso significa dizer que a ação
cautelar de sustação de protesto versa exatamente sobre o mesmo débito, oriundo do mesmo
contrato a que se refere a ação executiva, sendo a ela conexa.
 Dessa forma, tendo sido reconhecido, no bojo da ação cautelar, que houve o caucionamento do
débito não há por que determinar que seja realizada nova constrição no patrimônio dos agravados,
a fim de que seja concedido o efeito suspensivo aos seus embargos. Tal conclusão está nitidamente
em convergência com o princípio da menor onerosidade ao devedor, que deve ser sempre
observado pelo julgador.

PROCESSO REsp 1.851.329-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por
unanimidade, julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Celebração de acordo sem anuência do advogado. Ausência de trânsito em
julgado da sentença condenatória. Particularidades da demanda que
impõem o reconhecimento da formação de título executivo. Honorários de
sucumbência. Direito autônomo do advogado.

DESTAQUE
 São devidos os honorários de sucumbência ao procurador que não participou de acordo firmado
entre as partes, realizado e homologado antes do trânsito em julgado da sentença que fixou tal
verba.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 O art. 24, § 4º, da Lei n. 8.906/1994 dispõe que "o acordo feito pelo cliente do advogado e a parte
contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os
convencionados, quer os concedidos por sentença".
 A exegese do preceito legal é a de que o acordo firmado entre as partes, sem a concordância do
advogado, não atinge o direito ao recebimento dos honorários advocatícios fixados em sentença
judicial transitada em julgado.
 A propósito, esta 3ª Turma possui precedente no sentido de que, embora seja direito autônomo
do advogado a execução da verba honorária de sucumbência, inclusive nos próprios autos, não há
como atribuir força executiva à sentença que não transitou em julgado se as partes chegaram a
consenso acerca do direito controvertido e celebraram acordo que foi devidamente homologado por
sentença, devendo o causídico, nessa situação, valer-se das vias ordinárias (REsp 1.524.636/RJ, 3ª
Turma, DJe 23/08/2016).
 Na espécie, verifica-se que não houve trânsito em julgado da sentença condenatória que, por sua
vez, fixou a condenação da verba honorária em favor dos ex-patronos.
 No entanto, a despeito da ausência de trânsito em julgado da sentença condenatória, entende-se
que a questão, deve ser analisada sob outro viés, dada as peculiaridades do caso concreto,
mostrando-se plausível a flexibilização da interpretação normativa.
 Na presente hipótese, verifica-se que, em 1º grau, a sentença condenatória condenou a recorrente
ao pagamento de 10% (dez por cento) do valor da condenação a título de verba honorária,
condenação esta que foi mantida pelo Tribunal de Origem e que estava prestes a transitar em
julgado, não fosse pelo fato de as partes terem, neste meio tempo, atravessado pedido de
homologação de acordo extrajudicial - que sequer fez menção ao pagamento de qualquer verba
honorária -, com a participação de nova advogada constituída nos autos, o que revogou
automaticamente anterior procuração outorgada.
 Mutatis mutandis, vale lembrar que esta 3ª Turma já decidiu, também com base nas
particularidades do caso concreto analisado, pela possibilidade de a sociedade de advogados que
patrocinou os interesses da exequente no curso da execução e teve seu mandato revogado antes da
sentença homologatória da transação firmada entre as partes sem disposição acerca de verba
honorária, prosseguir com a execução dos honorários que entende devidos nos próprios autos do
feito executivo, e não necessariamente em ação autônoma (REsp 1.819.956/SP, DJe 19/12/2019).
 Assim, dada as particularidades da situação ora analisada, convém reconhecer o direito autônomo
do recorrido ao recebimento da verba honorária estabelecida na sentença condenatória, devendo a
mesma ser considerada título executivo judicial, nos termos dos arts. 23 e 24 da Lei n. 8.906/1994.

QUARTA TURMA

PROCESSO REsp 1.280.102-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por
unanimidade, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL

TEMA Inventário. Viúva meeira. Usufruto vidual de imóvel. Art. 1.611, § 1º, do
Código Civil de 1916. Não cabimento. Ausência de necessidade econômicopatrimonial.

DESTAQUE
A viúva meeira não faz jus ao usufruto vidual previsto no art. 1.611, § 1º, do Código Civil de 1916.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 O usufruto vidual era conferido no regime do Código Civil revogado (art. 1.611, § 1º, com o
acréscimo conferido pela Lei n. 4.121/1962) aos cônjuges casados em regimes de bens diversos da
comunhão universal, correspondendo, a aludida instituição, à quarta parte dos bens deixados pelo
falecido, caso houvesse filhos, ou metade dos bens, na hipótese de herdeiros ascendentes.
 O escopo do instituto era a salvaguarda do mínimo necessário ao cônjuge que não era agraciado,
obrigatoriamente, com herança do falecido, como no caso de comunhão parcial ou separação
absoluta, em sucessões abertas na vigência do Código Beviláqua, esse que não considerava o cônjuge
como herdeiro necessário.
 O atual Código não abarcou esse tema jurídico nos mesmos moldes então previstos na legislação
revogada, porém estendeu o direito real de habitação referido no § 2º do art. 1.611 do CC/1916 a
todos os regimes de bens (art. 1.831, CC/2002), sem as restrições então previstas e alçou o cônjuge
ao patamar de herdeiro necessário.
 Sob o restrito ditame do Código Civil de 1916, não seria a condição econômica do viúvo fator
determinante para a existência do direito de usufruto sobre parte dos bens. O art. 1.611, § 1º, do
referido diploma preleciona, aliás, que para a aplicação do instituto, seriam exigidos apenas três
requisitos, a saber: (a) que o cônjuge sobrevivente não tenha sido casado com o falecido no regime
de comunhão universal de bens; (b) que existam herdeiros necessários, isto é, ascendentes ou
descendentes; e (c) que perdure o estado de viuvez.
 Certamente, o dispositivo legal em questão tem o inequívoco sentido de amparo ao cônjuge que
fica desprovido dos recursos que pertenciam ao falecido, em consequência do regime matrimonial
dos bens.
 Se, no entanto, a viúva, pelo reconhecimento de sua participação na metade dos aquestos, já tem
uma situação correspondente à que lograria se o regime fosse o da comunhão universal, não há
razão alguma de se lhe atribuir, ademais, o benefício legal ora em foco, sobre parte dos bens que
excederam a sua fração do monte, vez que o usufruto em tela é modo de compensação pelo que não
teria recebido, a denotar a imprescindibilidade do afastamento da benesse em virtude da ausência de necessidade econômico-patrimonial.
PROCESSO HC 523.357-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por
unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020
RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA Alimentos decorrentes de ato ilícito. Natureza indenizatória. Prisão civil.
Rito executivo próprio. Art. 533 do CPC/2015. Não cabimento.
DESTAQUE
 Não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio coercitivo para o adimplemento dos
alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Os alimentos, de acordo com a causa de sua origem, podem ser classificados em três espécies,
quais sejam, legítimos (devidos por força de vínculo familiar estabelecido em lei),
voluntários/negociais (derivados de negócio jurídico) ou indenizatórios (em razão de ato ilícito).
 O artigo 1.694 do atual Código Civil, seguindo a mesma linha da legislação civil anterior, foi
expresso ao elencar como causas jurídicas do dever de prestar alimentos o parentesco natural/civil
e o vínculo familiar criado por ocasião do casamento ou união estável.
 Os alimentos decorrentes de ato ilícito, por sua vez, são considerados de forma expressa como
indenização, conforme se verifica da leitura dos artigos 948, 950 e 951 do CC/2002.
 Discute-se se o rito prescrito no art. 528 do CPC/2015, no capítulo intitulado "Do cumprimento
de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos" - notadamente o
respectivo §3º, segundo o qual se o executado não pagar no prazo assinado no caput, ou a
justificativa apresentada não for aceita, o juiz "decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3
(três) meses" - tem aplicação às execuções de sentenças indenizatórias de ato ilícito.
 Com base na distinção entre obrigação alimentar propriamente dita e obrigação de ressarcimento
de prejuízo decorrente de ato ilícito, parte expressiva da doutrina sustenta que somente no primeiro
caso (obrigações de direito de família) é cabível a prisão civil do devedor de obrigação de prestar
alimentos. Esse entendimento é corroborado pela circunstância de que o o artigo 533 do CPC em
vigor apresenta regra específica destinada a reger a execução de sentença indenizatória que incluir
prestação de alimentos.
 Observa-se que realmente, como acentua a doutrina que admite a prisão civil em relação a
alimentos indenizatórios, o art. 528 do CPC/2015, assim como o art. 733 do CPC/1973, ao
estabelecer a possibilidade de decreto de prisão em caso de não pagamento injustificado da pensão,
não faz diferença entre a obrigação alimentar de direito de família e a decorrente de ato ilícito.
 Todavia, é manifesta a distinção entre a obrigação de prestar alimentos derivada de vínculo
familiar e a decorrente da condenação a compor os prejuízos causados por ato ilícito. Com efeito, os
de necessidade econômico-patrimonial.

PROCESSO HC 523.357-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por
unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

TEMA Alimentos decorrentes de ato ilícito. Natureza indenizatória. Prisão civil.
Rito executivo próprio. Art. 533 do CPC/2015. Não cabimento.

DESTAQUE
 Não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio coercitivo para o adimplemento dos
alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Os alimentos, de acordo com a causa de sua origem, podem ser classificados em três espécies,
quais sejam, legítimos (devidos por força de vínculo familiar estabelecido em lei),
voluntários/negociais (derivados de negócio jurídico) ou indenizatórios (em razão de ato ilícito).
 O artigo 1.694 do atual Código Civil, seguindo a mesma linha da legislação civil anterior, foi
expresso ao elencar como causas jurídicas do dever de prestar alimentos o parentesco natural/civil
e o vínculo familiar criado por ocasião do casamento ou união estável.
 Os alimentos decorrentes de ato ilícito, por sua vez, são considerados de forma expressa como
indenização, conforme se verifica da leitura dos artigos 948, 950 e 951 do CC/2002.
 Discute-se se o rito prescrito no art. 528 do CPC/2015, no capítulo intitulado "Do cumprimento
de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos" - notadamente o
respectivo §3º, segundo o qual se o executado não pagar no prazo assinado no caput, ou a
justificativa apresentada não for aceita, o juiz "decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3
(três) meses" - tem aplicação às execuções de sentenças indenizatórias de ato ilícito.
 Com base na distinção entre obrigação alimentar propriamente dita e obrigação de ressarcimento
de prejuízo decorrente de ato ilícito, parte expressiva da doutrina sustenta que somente no primeiro
caso (obrigações de direito de família) é cabível a prisão civil do devedor de obrigação de prestar
alimentos. Esse entendimento é corroborado pela circunstância de que o o artigo 533 do CPC em
vigor apresenta regra específica destinada a reger a execução de sentença indenizatória que incluir
prestação de alimentos.
 Observa-se que realmente, como acentua a doutrina que admite a prisão civil em relação a
alimentos indenizatórios, o art. 528 do CPC/2015, assim como o art. 733 do CPC/1973, ao
estabelecer a possibilidade de decreto de prisão em caso de não pagamento injustificado da pensão,
não faz diferença entre a obrigação alimentar de direito de família e a decorrente de ato ilícito.
 Todavia, é manifesta a distinção entre a obrigação de prestar alimentos derivada de vínculo
familiar e a decorrente da condenação a compor os prejuízos causados por ato ilícito. Com efeito, os
"alimentos" indenizatórios são arbitrados em quantia fixa, pois são medidos pela extensão do dano,
de forma a ensejar, na medida do possível, o retorno ao status quo ante. Ao contrário, os alimentos
civis/naturais devem necessariamente levar em consideração o binômio necessidade-possibilidade
para a sua fixação, estando sujeitos à reavaliação para mais ou para menos, a depender das
vicissitudes ocorridas na vida dos sujeitos da relação jurídica.
Cumpre ressaltar que o alargamento das hipóteses de prisão civil, para alcançar também prestação
de alimentos de caráter indenizatório, chegando a se estender, no limite proposto por parte da
doutrina, a todos os credores de salários e honorários profissionais, acaba por enfraquecer a
dignidade excepcional, a força coercitiva extrema, que o ordenamento jurídico, ao vedar como regra
geral a prisão por dívida, concedeu à obrigação alimentar típica, decorrente de direito de família, a
qual, em sua essência, é sempre variável de acordo com as necessidades e possibilidades dos
envolvidos.

PROCESSO AgInt no AREsp 1.495.369-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta
Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Honorários advocatícios de sucumbência. Majoração. Artigo 85, § 11, do
CPC de 2015. Sucumbência recíproca. Inexistência de óbice. Readequação
da sucumbência. Circunstância que impede a majoração de honorários em
sede recursal.

DESTAQUE
 A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios
sucumbenciais nem impede a sua majoração em sede recursal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 No que se refere à majoração de honorários advocatícios em sede recursal (art. 85, § 11, do CPC)
quando está caracterizada a sucumbência recíproca entre as partes, não se desconhece que há
precedentes desta Corte Superior concluindo pelo seu não cabimento, sob o fundamento de que, em
tais situações, cada uma das partes arca com os honorários advocatícios do próprio causídico.
 No entanto, a sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários
advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art.
85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.
 Isso porque, em relação aos honorários de sucumbência, o caput do art. 85 do CPC de 2015 dispõe
que "[a] sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor".
 A relação jurídica se estabelece entre a parte litigante e o causídico do ex adverso, diferentemente
do que ocorre nos honorários advocatícios convencionais - ou contratuais -, em que a relação jurídica se estabelece entre a parte e o patrono que constitui.
 Acaso se adote o entendimento de que, havendo sucumbência recíproca, cada parte se
responsabiliza pela remuneração do seu respectivo patrono também no que tange aos honorários de
sucumbência, o deferimento de gratuidade de justiça ensejaria conflito de interesses entre o
advogado e a parte beneficiária por ele representada, criando situação paradoxal de um causídico
defender um benefício ao seu cliente que, de forma reflexa, o prejudicaria.
 Ademais, nas hipóteses em que a sucumbência recíproca não é igualitária, a prevalência do
entendimento de que cada uma das partes arcará com os honorários sucumbenciais do próprio
causídico que constituiu poderia dar ensejo à situação de o advogado da parte que sucumbiu mais
no processo receber uma parcela maior dos honorários de sucumbência, ou de a parte litigante que
menos sucumbiu na demanda pagar uma parcela maior dos honorários de sucumbência.
 Desse modo, uma vez estabelecido o grau de sucumbência recíproca entre os litigantes, a parte
autora fica responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado
do réu, e o réu, responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do
advogado do autor.
 No que tange à majoração de honorários em sede recursal, em que pese não existir óbice quando
caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a
necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a
partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não
conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e
c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.
 Assim, é incabível a majoração de honorários em sede recursal, nas hipóteses em que há
provimento do recurso e a respectiva readequação da sucumbência.

QUINTA TURMA

PROCESSO HC 603.195-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade,
julgado em 06/10/2020, DJe 16/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL

TEMA Estupro de vulnerável. Irmã da vítima. Conduta omissiva imprópria.
Atipicidade. Inocorrência. Possível assunção do papel de garantidor. Art.
13, § 2º, "b" e "c", do Código Penal.

DESTAQUE
A irmã de vítima do crime de estupro de vulnerável responde por conduta omissiva imprópria se
assume o papel de garantidora.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Trata-se de denúncia pela prática do delito de estupro de vulnerável na forma omissiva
imprópria, tendo por vítimas as irmãs menores da denunciada e como autor da conduta comissiva
seu marido.
Os crimes omissos impróprios, de acordo com a doutrina, são aqueles que "(...) envolvem um não
fazer, que implica a falta do dever legal de agir, contribuindo, pois, para causar o resultado. Não têm
tipos específicos, gerando uma tipicidade por extensão. Para que alguém responda por um delito
omissivo impróprio é preciso que tenha o dever de agir, imposto por lei, deixando de atuar, dolosa
ou culposamente, auxiliando na produção do resultado."
 Quando se fala em "dever legal de agir" e em assunção do papel de "garantidor", o Código Penal,
no art. 13, § 2º, apresenta três hipóteses taxativas para caracterizar tal incumbência ao agente.
 Na primeira perspectiva, na alínea "a", tem-se a figura do garantidor legal stricto sensu, aquele
que tem por lei o dever de proteção, vigilância e cuidado, hipótese comumente aplicada entre os pais
e os seus filhos menores de idade, no exercício de seu poder familiar. Nesse ponto, é clara a
impossibilidade de extensão das obrigações paternas aos irmãos. Afinal, muito embora haja vínculo
familiar e até presumidamente uma relação afetiva entre irmãos, o mero parentesco não torna
penalmente responsável um irmão para com o outro, salvo, evidentemente, os casos de
transferência de guarda ou tutela.
 A lei, ainda, expressamente prevê a assunção da figura de "garantidor" pelo agente, nas alíneas
"b" e "c", quais sejam: o da pessoa que de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o
resultado, e daquele que criou o risco da ocorrência do resultado a partir de seu comportamento
anterior.
 Assim, muito embora uma irmã mais velha não possa ser enquadrada na alínea "a" do art. 13, §
2º, do CP, pois o mero parentesco não torna penalmente responsável um irmão para com o outro,
caso caracterizada situação fática de assunção da figura do "garantidor" pela irmã, nos termos
previstos nas duas alíneas seguintes do referido artigo ("b" e "c"), não há falar em atipicidade de sua conduta. Hipótese em que a acusada omitiu-se quanto aos abusos sexuais em tese praticados pelo
seu marido na residência do casal contra suas irmãs menores durante anos. Assunção de
responsabilidade ao levar as crianças para sua casa sem a companhia da genitora e criação de riscos
ao não denunciar o agressor, mesmo ciente de suas condutas, bem como ao continuar deixando as
meninas sozinhas em casa.

SEXTA TURMA

PROCESSO REsp 1.854.893-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL

TEMA Sonegação fiscal. Teoria do domínio do fato. Inexistência de nexo de
causalidade. Inaplicabilidade. Dolo. Essencialidade. Descrição de culpa em
sentido estrito. Incompatibilidade com o tipo penal.

DESTAQUE
 A teoria do domínio do fato não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de
qualquer crime, eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do
nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Apesar de o Código Penal prever que todo aquele que concorre para o crime é considerado autor
(art. 29, caput), ainda que a sua participação seja de menor importância (art. 29, § 1º), há situações
nas quais o intérprete lança mão do domínio do fato, do modo a presumir e demarcar a autoria.
 Entretanto, o conceito de "domínio do fato" ou "domínio final do fato" não se satisfaz com a
simples referência à posição do indivíduo como administrador ou gestor (de fato ou previsto no
contrato social da empresa). Vale dizer, é insuficiente considerar tal circunstância, isoladamente,
para que se possa atribuir a responsabilidade penal pela prática de crime tributário.
 Em relação ao domínio do fato, há interessantes produções doutrinárias que chamam a atenção
para os problemas que orbitam ao redor dessa teoria. O principal deles pode ser identificado logo
em sua gênese, isto é, na ausência de uma construção teórico-dogmática coerente e passível de ser
coordenada em harmonia com o nosso ordenamento jurídico, sobretudo na atuação jurisdicional
diante de casos concretos. Fazer uso da teoria do domínio do fato pressupõe do intérprete a
manutenção da coerência sistêmica.
 Foi com Welzel, em 1939, que surgiu uma teoria do domínio do fato como critério de delimitação
de autoria e que dependeria de dois pressupostos: a) os pessoais, decorrentes da estrutura do tipo, e
o b) fático, ligado ao domínio final do fato (o autor seria o senhor da decisão e da execução de sua
vontade final). O domínio do fato, em sua concepção, portanto, compunha as espécies de autoria ou
coautoria (direta ou mediata).
 Todavia, é com Roxin, sem dúvida, que a teoria do domínio do fato ganhou "sua expressão mais
acabada" . Longe de ser um aprimoramento ou aperfeiçoamento da teoria de Welzel, constituiu-se
ela uma construção nova, com implicações teóricas e práticas distintas.
 Enquanto para Welzel a teoria do domínio do fato seria um pressuposto (requisito) material para
determinação da autoria, para Roxin consistiria em um critério para delimitação do papel do agente
na prática delitiva (como autor ou partícipe). Ela representou, assim, uma forma de distinguir autor
de partícipe e não fundamentou responsabilidade penal onde ela não existe, mas apenas distinguiu o
papel desempenhado por cada agente no delito.
 Roxin desenvolveu uma teoria em que o domínio do fato se manifestava de três maneiras, sem a
pretensão de universalidade sobre todos os casos: a) domínio da ação, nas hipóteses em que o
agente realiza, por sua própria pessoa, todos os elementos estruturais do crime (autoria imediata);
b) domínio da vontade, na qual um terceiro funciona como instrumento do crime (autoria mediata);
e c) domínio funcional do fato, que trata da ação coordenada, com divisão de tarefas, por pelo menos
mais uma pessoa.
 Ao tratar especificamente do domínio da vontade, Roxin distinguiu três hipóteses: (1) por coação
exercida sobre terceiro, (2) por indução a erro de terceiro e (3) por um aparato organizado de
poder. Esta última hipótese trata daquele que "servindo-se de uma organização verticalmente
estruturada e apartada, dissociada da ordem jurídica, emite uma ordem cujo cumprimento é
entregue a executores fungíveis, que funcionam como meras engrenagens de uma estrutura
automática, não se limita a instigar, mas é verdadeiro autor mediato dos fatos realizados".
 Mas, para Roxin, esse não seria o único critério de fundamentação e distinção da autoria e da
participação. Existiriam outros delitos que não seriam influenciados pela teoria do domínio do fato,
como naqueles em que há violação de dever (delitos próprios). Então, v. g., no crime de peculato, não
seria estabelecida a autoria pela teoria do domínio do fato, mas por violação de dever. Além desses,
os delitos culposos, omissivos (próprios e impróprios), também não seriam abrangidos pela teoria
do domínio do fato.
 Observa-se, portanto, que a referida teoria opera em um plano de abstração e funciona como uma
ratio, a qual é insuficiente, por si mesma e se conceitualmente considerada, para aferir a existência
do nexo de causalidade entre o crime e o agente. É insuficiente e equivocado afirmar que um
indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado aos fatos, não
há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo
(comprovação da existência de um plano delituoso comum ou a contribuição relevante para a
ocorrência do fato criminoso).
 Não há, portanto, como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de
gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a
participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule
à prática delitiva.
 Também não é correto, no âmbito da imputação da responsabilidade penal, partir da premissa
ligada à forma societária, ao número de sócios ou ao porte apresentado pela empresa para se
presumir a autoria, sobretudo porque nem sempre as decisões tomadas por gestor de uma
sociedade empresária ou pelo empresário individual, - seja ela qual for e de que forma esteja
constituída - implicam o absoluto conhecimento e aquiescência com os trâmites burocráticos
subjacentes, os quais, não raro, são delegados a terceiros.
O delito de sonegação fiscal, previsto no art. 1º, II, da Lei n. 8.137/1990, exige, para sua
configuração, que a conduta do agente seja dolosa, consistente na utilização de procedimentos
(fraude) que violem de forma direta a lei ou o regulamento fiscal, com objetivo de favorecer a si ou
terceiros, por meio da sonegação. Há uma diferença inquestionável entre aquele que não paga
tributo por circunstâncias alheias à sua vontade de pagar (dificuldades financeiras, equívocos no
preenchimento de guias etc.) e quem, dolosamente, sonega o tributo com a utilização de expedientes
espúrios e motivado por interesses pessoais.
 Na hipótese, o quadro fático descrito na imputação é mais indicativo de conduta negligente ou
imprudente. A constatação disso é reforçada pela delegação das operações contábeis sem a
necessária fiscalização, situação que não se coaduna com o dolo, mas se aproxima da culpa em
sentido estrito, não prevista no tipo penal em questão.

PROCESSO HC 581.315-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 19/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Execução Penal. Progressão de regime. Crime hediondo. Reincidente não
específico. Requisito objetivo. Lei n. 13.964/2019 (Pacote anticrime).
Lacuna na nova redação do art. 112 da LEP. Interpretação in bonam
partem.

DESTAQUE
A progressão de regime do reincidente não específico em crime hediondo ou equiparado com
resultado morte deve observar o que previsto no inciso VI, a, do artigo 112 da Lei de Execução
Penal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Firmou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que, nos termos da
legislação de regência, mostra-se irrelevante que a reincidência seja específica em crime hediondo
para a aplicação da fração de 3/5 na progressão de regime, pois não deve haver distinção entre as
condenações anteriores (se por crime comum ou por delito hediondo) (AgRg no HC n. 494.404/MS,
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 20/5/2019).
 Contudo, tal entendimento não pode mais prevalecer diante da nova redação do art. 122 da Lei de
Execução Penal, trazida com a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime).
 Com efeito, a Lei de Crimes Hediondos não fazia distinção entre a reincidência genérica e a
específica para estabelecer o cumprimento de 3/5 da pena para fins de progressão de regime, é o
que se depreende da leitura do § 2º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990: A progressão de regime, no caso
dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois
quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal).
 Já a Lei n. 13.964/2019 trouxe significativas mudanças na legislação penal e processual penal, e,
nessa toada, revogou o referido dispositivo legal. Agora, os requisitos objetivos para a progressão de
regime foram sensivelmente modificados, tendo sido criada uma variedade de lapsos temporais a
serem observados antes da concessão da benesse.
 A leitura da atual redação do dispositivo em comento revela, porém, que a situação em exame
(condenado por crime hediondo, reincidente não específico) não foi contemplada na lei. Vejamos:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência
para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
[…] V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime
hediondo ou equiparado, se for primário; VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário,
vedado o livramento condicional; […] VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for
reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se
o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o
livramento condicional.
 Dessa forma, em relação aos apenados que foram condenados por crime hediondo mas que são
reincidentes em razão da prática anterior de crimes comuns não há percentual previsto na Lei de
Execuções Penais, em sua nova redação, para fins de progressão de regime, visto que os percentuais
de 60% e 70% se destinam unicamente aos reincidentes específicos, não podendo a interpretação
ser extensiva, vez que seria prejudicial ao apenado. Assim, por ausência de previsão legal, o julgador
deve integrar a norma aplicando a analogia in bonam partem.
 No caso (condenado por crime hediondo com resultado morte, reincidente não específico), diante
da lacuna na lei, deve ser observado o lapso temporal relativo ao primário. Impõe-se, assim, a
aplicação do contido no inciso VI, a, do referido artigo da Lei de Execução Penal, exigindo-se,
portanto, o cumprimento de 50% da pena para a progressão de regime.

PROCESSO HC 596.603-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 22/09/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Habeas corpus individual e coletivo. Tráfico privilegiado. Art. 33, §4º, da
Lei n. 11.343/2006. Crime não hediondo. Substituição da pena privativa de
liberdade por restritivas de direitos. Regime prisional. Proporcionalidade.
Súmulas e jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores. Força
normativa. Desrespeito ao sistema de precedentes. Necessidade de
segurança jurídica, estabilidade e isonomia do jurisdicionado. Busca da
racionalidade punitiva.

DESTAQUE
 As diretrizes para individualização da pena e segregação cautelar dos autores de crime de tráfico
privilegiado, por decorrerem de precedentes qualificados das Cortes Superiores, devem ser
observadas, sempre ressalvada, naturalmente, a eventual indicação de peculiaridades do caso
examinado, a permitir distinguir a hipótese em julgamento da que fora decidida nos referidos
precedentes.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 Há anos são perceptíveis, em um segmento da jurisdição criminal, os reflexos de uma postura
judicial que, sob o afirmado escudo da garantia da independência e da liberdade de julgar, reproduz
política estatal que se poderia, não sem exagero, qualificar como desumana, desigual, seletiva e
preconceituosa. Tal orientação, que se forjou ao longo das últimas décadas, parte da premissa
equivocada de que não há outro caminho, para o autor de qualquer das modalidades do crime de
tráfico - nomeadamente daquele considerado pelo legislador como de menor gravidade -, que não o
seu encarceramento.
 Essa insistente desconsideração de alguns órgãos judicantes às diretrizes normativas derivadas
das Cortes de Vértice produz um desgaste permanente da função jurisdicional, com anulação e/ou
repetição de atos, e implica inevitável lesão financeira ao erário, bem como gera insegurança
jurídica e clara ausência de isonomia na aplicação da lei aos jurisdicionados.
 Em suma, diante da mesma situação factual - tráfico de pequena monta, agente primário, sem
antecedentes penais, sem prova de vínculo com organização criminosa e de exercício de atividade
criminosa (que não seja, é claro, a específica mercancia ilícita eventual que lhe rendeu a
condenação) -, há de reconhecer-se que:
 A Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais), em seu art. 112, § 5º (com a redação que lhe
conferiu a Lei n. 13.964/2019) é expressa em dizer que "§ 5º Não se considera hediondo ou
equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei
n. 11.343, de 23 de agosto de 2006";
 O Ministério Público, a par da função exclusiva de exercitar a ação penal pública, é também
constitucionalmente incumbido da "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127, caput, da C.R.), e deve agir de acordo com
critérios de objetividade, compromissado, pois, com o direito (custos iuris) e com a verdade. Logo, a
acusação formulada pelo Ministério Público há de consubstanciar uma imputação responsavelmente
derivada da realidade fático-jurídica evidenciada pelo simples exame do inquérito policial, muitas
vezes já indicativa de que não se cuida de hipótese de subsunção da conduta do agente ao crime de
tráfico de drogas positivado no caput do art. 33 da LAD.
 A jurisprudência dos Tribunais Superiores - quer por meio de Súmulas (verbetes n. 718 e 719 do
STF e 440 do STJ), quer por meio de julgamentos proferidos pela composição Plena do Supremo Tribunal Federal, seguidos por inúmeros outros julgamentos da mesma Corte e do STJ - é uníssona e
consolidada no sentido de que:
 Não se pode impor regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta,
com base apenas na gravidade abstrata do delito e sem a idônea motivação, que não pode decorrer
da mera opinião do julgador;
 O condenado por crime de tráfico privilegiado, nos termos do art. 33. § 4º, da Lei n. 11.343/2006,
a pena inferior a 4 anos de reclusão, faz jus a cumprir a reprimenda em regime inicial aberto ou,
excepcionalmente, em semiaberto, desde que por motivação idônea, não decorrente da mera
natureza do crime, de sua gravidade abstrata ou da opinião pessoal do julgador;
 O condenado por crime de tráfico privilegiado, nas condições e nas ressalvas da alínea anterior,
faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos;
 O autor do crime previsto no art. 33, § 4º da LAD não pode permanecer preso preventivamente,
após a sentença (ou mesmo antes, se a segregação cautelar não estiver apoiada em quadro diverso),
porque:
 a) O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal - e copiosa jurisprudência das Cortes
Superiores - afastou a vedação à liberdade provisória referida no art. 44 da LAD;
 b) Não é cabível prisão preventiva por crime punido com pena privativa máxima igual ou inferior
a 4 anos (art. 313, I do Código de Processo Penal);
 c) O tempo que o condenado eventualmente tenha permanecido preso deverá ser computado
para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade (art. 387, § 2º do CPP), o
que, a depender do tempo da custódia e do quantum da pena arbitrada, implicará imediata soltura
do sentenciado, mesmo se fixado o regime inicial intermediário, ou seja, o semiaberto (dado que,
como visto, não se mostra possível a inflição de regime fechado ao autor de tráfico privilegiado).

RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO

PROCESSO ProAfR no REsp 1.870.891-PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, por
unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 16/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

TEMA A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao
rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com os REsp 1.870.815/PR e
REsp 1.870.793/RS, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da
seguinte controvérsia: Possibilidade, ou não, para fins de cálculo do
benefício de aposentadoria, de sempre se somar as contribuições
previdenciárias para integrar o salário-de-contribuição, nos casos de
atividades concomitantes (artigo 32 da Lei n. 8.213/91), após o advento da
Lei n. 9.876/99, que extinguiu as escalas de salário-base.

PROCESSO ProAfR no REsp 1.867.199-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
Segunda Seção, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 09/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL

TEMA A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao
rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.845.943/SP a
fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia:
Definir a legalidade da cláusula que prevê a cobertura adicional de
invalidez funcional permanente total por doença (IFPD) em contrato de
seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento da indenização
securitária à perda da existência independente do segurado
PROCESSO ProAfR no REsp 1.870.834-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe
09/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL

TEMA A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao
rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.872.321/SP, a
fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia:
Definição da obrigatoriedade de custeio pelo plano de saúde de cirurgias
plásticas em paciente pós-cirurgia bariátrica.

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA - AFETAÇÃO

PROCESSO ProAfR no REsp 1.817.302-SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira
Seção, por unanimidade, julgado em 29/09/2020, DJe 09/10/2020

RAMO DO DIREITO DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA A Primeira Seção acolheu a proposta de instauração de incidente de
assunção de competência, a fim de uniformizar o entendimento a respeito
da seguinte controvérsia: Reconhecimento da legalidade de cobrança
promovida por concessionária de rodovia, em face de autarquia de
prestação de serviços de saneamento básico, pelo uso da faixa de domínio
da via pública concedida.