A prorrogação antecipada e a relicitação nos contratos de concessão

Antigos institutos e novas acomodações no direito administrativo


Durante impasses e incertezas econômicas surgem soluções jurídicas criativas. Atualmente, dois institutos de direito administrativo são bastante estimulados e utilizados, tanto pelo poder público como pelas concessionárias, criando oportunidades interessantes capazes de assegurar a qualidade e a eficiência de serviços públicos concedidos.


A renovação ou a prorrogação antecipada de contratos de concessão de serviço público satisfaz os interesses das concessionárias, especialmente diante dos impactos decorrentes da pandemia da Covid-19, agravados pelo câmbio do dólar, pela elevação de preços das commodities, pela espiral inflacionária e, agora, pela guerra da Rússia e da Ucrânia. Trata-se de espécie de prorrogação extraordinária apta a assegurar o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos.


O reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão é imprescindível diante da frustração causada pelo descumprimento de demandas estimadas (no âmbito da modalidade urbana, destaca-se o não atingimento de projeções referentes à circulação de passageiros e à movimentação de cargas) e pela consequente arrecadação deficitária de tarifas destinadas a remunerar as concessionárias.


Nesse cenário, o poder concedente e os usuários não foram beneficiados pela aplicação dos investimentos de melhoria dos serviços exigidos para a operação concedida. A renovação antecipada das parcerias firmadas é capaz inclusive de permitir novos investimentos voltados ao aperfeiçoamento e à modernização do objeto da concessão, sem que haja incremento das tarifas praticadas.


Registre-se, ainda, a circunstância de “nova licitação não ser realizada” não tem o condão de inviabilizar o instituto da prorrogação antecipada. Muitas das vezes a renovação será a medida mais vantajosa ao poder público e à eficiência administrativa. Não é à toa que o STF decidiu, por exemplo e no âmbito da ADI nº 2946, que não é necessária a realização de licitação para transferência de concessão ou diante de intercorrência de assunção do controle societário de concessionárias de serviços públicos.


A prorrogação antecipada foi autorizada no ordenamento jurídico brasileiro, na forma do artigo 175, I, da Constituição da República; do artigo 57, II, da Lei 8.666/93; do artigo 23, XII, da Lei 8.987/1995, bem como pela Lei 13.448/2017 e pelo Decreto 9.957/2019. Nos estados brasileiros, destaca-se o artigo 3º da Lei Estadual 2.831/1997 no Rio de Janeiro e a Lei 16.933/2019 em São Paulo, bem como as diversas regulações contratuais sobre a matéria.


A relicitação, por sua vez, é instituto decorrente da extinção consensual do contrato de concessão, alinhada à busca da convergência de interesses e ao ideal de cooperação entre as partes, afastando a medida extremada da declaração de caducidade e de descontinuidade abrupta do serviço público concedido, vez que o antigo concessionário continuará responsável pela concessão, sendo indenizado adequadamente no momento da devolução do objeto, até a entrada do novo operador.


É oportuno esclarecer que o racional do permissivo legal da relicitação, ainda que direcionado a setores regulados específicos (rodovias, ferrovias e aeroportos) e circunscrito à Administração Pública federal, poderá ser perfeitamente manejado pelos demais entes federativos e independente de autorização legislativa nos respectivos setores de infraestrutura competentes.


Destaque-se que, obviamente, a Lei 13.448/2017, artigo 4º c/c artigo 16, veda expressamente a participação no processo de relicitação da concessionária anteriormente contratada, por razões de coerência administrativa. A rigor, as antigas concessionárias devolvem o contrato em razão de insuficiência econômica e/ou incapacidade técnico-operacional para bem executar e cumprir o objeto da concessão.


Um ponto de atenção, no âmbito das relicitações, refere-se a eventuais impasses no tocante à definição do quantum indenizatório devido às antigas concessionárias. O artigo 11 do supracitado ato legislativo esclarece que serão descontados do valor calculado pela agência reguladora competente, a título de indenização pelos bens reversíveis não amortizados ou depreciados vinculados ao contrato de parceria, os seguintes itens: a) multas e outras somas de natureza não tributária; b) as outorgas devidas até a extinção do contrato de parceria e não pagas até o momento do pagamento de indenização; c) o valor excedente da receita tarifária auferida pelo contratado ordinário em razão da não contabilização do impacto econômico-financeiro no valor da tarifa decorrente da suspensão das obrigações de investimento não essenciais no momento da celebração do termo aditivo. Aliás, ainda referente à indenização, previu-se que o respectivo cálculo será certificado por empresa de auditoria independente, ou seja, trata-se de uma medida que conferirá maior transparência e segurança aos players envolvidos.


Na maioria dos casos experimentados, verifica-se variedade de normativos infralegais que estabelecem a metodologia para o cálculo dos valores de indenização relativos aos investimentos vinculados a bens reversíveis não depreciados ou não amortizados, de que são exemplos a Resolução nº 533/2019 da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), Resolução nº 5.860/2019 da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e a Resolução nº 508 da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), dentre outras. Lembrando, ainda, que os estudos e levantamentos de valores indenizatórios são precedidos de debates, audiências e consultas públicas.


É desejável que a matéria seja tratada em cada situação concreta e para além do domínio legislativo e regulatório. Nesse sentido, as agências reguladoras e os Tribunais de Contas deverão sopesar diretamente as cláusulas contratuais do instrumento de concessão e dos itens do edital da relicitação que tendem a contemplar modelagem apta a assegurar a indenização do antigo concessionário vinculada ao valor arrecado no leilão e pela previsão de rubricas orçamentárias da União destinadas a complementar, no caso de eventual deságio no certame, a indenização devida. Nessa linha de convicções, e à mercê das novas modelagens regulatórias e contratuais previstas, a operação efetiva do novo concessionário e suas obrigações principais devem ocorrer somente após o pagamento da indenização devida ao antigo concessionário.


Nesse contexto, os requisitos delineados trazem a segurança necessária ao instituto da relicitação, sendo injustificável, por exemplo, a demora em relação à aprovação do processo de relicitação do Aeroporto Internacional de São Gonçalo do Amarante, em Natal, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e a publicação do respectivo edital licitatório, tampouco a lentidão para impulsionamento de estudos de viabilidade (técnico-econômica e operacional), bem como dos pleitos e processos de relicitação referentes aos aeroportos internacionais do Galeão, no Rio de Janeiro, e de Viracopos, em Campinas (SP).


Por todo o exposto, entende-se que as prorrogações antecipadas e as relicitações são institutos voltados à satisfação do interesse público e à garantia da eficiência administrativa. Contrapontos como “ausência de nova licitação” ou “dificuldade na definição de indenização” não têm o condão de inviabilizar a adoção de tais medidas e ajustes administrativos que se apresentem necessários à boa continuidade da delegação dos serviços pelos colaboradores privados.

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Fonte: Jota