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Introdução
A Constituição Federal de 1988 garante uma série de direitos e liberdades fundamentais aos cidadãos. No entanto, o que acontece quando um desses direitos não pode ser exercido por falta de uma norma regulamentadora? É nesse cenário que o Mandado de Injunção (MI), um dos mais importantes remédios constitucionais, entra em cena, garantindo que a omissão do Poder Público não inviabilize prerrogativas essenciais. Este artigo explora o conceito, objetivo, legitimidade, procedimento e competência desse instituto vital.
1. Conceito de Mandado de Injunção e Sua Base Legal
O Mandado de Injunção é uma ação constitucional que encontra suas raízes, segundo alguns autores, no direito norte-americano, na ação writ of injunction, com base na jurisdição de equidade. Outros defendem sua origem no antigo direito português. No ordenamento constitucional brasileiro, o Mandado de Injunção está previsto no inciso LXXI do art. 5.º da Constituição Federal, que dispõe:
"Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;"
- Pela leitura do inciso, percebe-se que o Mandado de Injunção é um remédio constitucional cabível para conferir efetividade a um direito fundamental subjetivo que não está regulamentado;
- Além da Constituição Federal, o Mandado de Injunção também está previsto e regulamentado pela Lei nº 13.300 de 2016, que disciplina toda a matéria relativa a este remédio constitucional.
2. Objetivo e Cabimento do Mandado de Injunção
O Mandado de Injunção não é cabível diante de toda e qualquer omissão do Poder Público. Seu escopo é específico e direcionado a situações de omissão legislativa que impedem o exercício de direitos constitucionais.
- Segundo a lição de Alexandre de Moraes (2018, p. 253), o Mandado de Injunção é cabível “tão só em relação às normas constitucionais de eficácia limitada de princípio instrutivo de caráter impositivo e normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade por dependerem de atuação normativa posterior”;
- Isso significa que nem sempre uma lacuna de regulamentação pode ser suprida pelo Mandado de Injunção. Há outras hipóteses em que a omissão de uma norma pode ser questionada por meio da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADI por omissão), que possui finalidade e rito distintos;
- Portanto, não cabe Mandado de Injunção diante de normas constitucionais autoexecutáveis ou de autorizações para o legislador criar exceções a regras já previstas e autoaplicáveis;
- Seu cabimento é exclusivo para sanar a omissão de regulamentação de uma norma constitucional que inviabiliza o exercício de um direito, liberdade ou prerrogativa.
3. Legitimidade Ativa (Quem Pode Propor)
A legitimidade ativa para propor a ação de Mandado de Injunção é ampla:
- Qualquer pessoa natural (física) ou jurídica é parte legítima para impetrar o Mandado de Injunção;
- Para tanto, é fundamental que o exercício de um direito, liberdade ou prerrogativa constitucional – inerente à soberania, cidadania e nacionalidade – esteja sendo inviabilizado pela ausência de uma norma reguladora que torne efetivos tais direitos.
4. Legitimidade Passiva (Contra Quem é Proposto)
A legitimidade passiva no Mandado de Injunção recai sobre o ente estatal responsável pela emanação da norma regulamentadora que está em falta.
- O art. 3.º da Lei nº 13.300/16 é claro ao preceituar que, como impetrado, figurará "o Poder, órgão ou autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora";
- Assim, fica evidente que os particulares não possuem legitimidade passiva no Mandado de Injunção, pois não têm capacidade de produção de normas regulamentares dentro do conceito de direito a ser tutelado;
- Consequentemente, particulares não podem formar litisconsórcio passivo juntamente com o Poder Público nesse tipo de ação.
5. Procedimento do Mandado de Injunção
O procedimento do Mandado de Injunção está disciplinado na Lei nº 13.300/16 e segue as seguintes etapas:
- A petição inicial deve preencher os requisitos da lei processual (CPC) e indicar, além do órgão impetrado, a pessoa jurídica que ele integra (art. 4.º);
- Quando a ação não tramitar por meio eletrônico, a petição inicial e os documentos que a instruem devem ser acompanhados do mesmo número de vias que o dos impetrados (art. 4.º, § 1.º);
- Ao ser recebida a petição inicial, será ordenada a notificação do impetrado para que, no prazo de dez dias, preste as devidas informações;
- Será dada ciência ao órgão de representação judicial interessado (Procuradoria do Estado/União/Município) para que ingresse no feito (art. 5.º, I e II);
- A inicial será indeferida desde logo quando a impetração for manifestamente incabível ou manifestamente improcedente (art. 6.º);
- Da decisão do relator que indeferir a petição inicial caberá agravo, em cinco dias, para o órgão colegiado competente para julgamento da impetração (art. 6.º, parágrafo único);
- Findo o prazo para apresentação das informações, o Ministério Público será ouvido no prazo de dez dias;
- Após isso, com ou sem parecer ministerial, os autos serão conclusos para decisão (art. 7.º).
6. Competência para Julgar o Mandado de Injunção
A competência para processar e julgar o Mandado de Injunção é estabelecida pela Constituição Federal, de acordo com a autoridade ou órgão responsável pela omissão:
- Supremo Tribunal Federal (STF): De acordo com o art. 102, I, q, da Constituição Federal, o Mandado de Injunção será julgado originariamente pelo STF quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do:
- Presidente da República;
- Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Senado Federal, ou Mesas de uma dessas Casas Legislativas;
- Tribunal de Contas da União;
- Um dos Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE, STM).
- Do próprio STF;
- Superior Tribunal de Justiça (STJ): O art. 105, I, h, da Carta Magna prevê que o Mandado de Injunção será julgado originariamente pelo STJ quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;
- Recurso em Mandado de Injunção: O art. 121, § 4.º, V, da Constituição Federal, deixa claro que das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) somente caberá recurso quando denegarem Mandado de Injunção. Para os demais casos, a competência para julgar Mandado de Injunção contra atos estaduais ou municipais é dos Tribunais de Justiça dos Estados.
7. Conclusão: A Efetividade dos Direitos Fundamentais
Desta forma, esta explanação demonstra que o cidadão tem a opção de se socorrer do Poder Judiciário para ver seu direito, que até então está inviabilizado por omissão de regulamentação, ser analisado pelo órgão competente. Dependendo das circunstâncias fáticas, o seu pedido poderá ser provido ou não.
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Mesmo antes da promulgação da Lei nº 13.300/16, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido, de maneira supletiva, sobre o procedimento do Mandado de Injunção.
O STF equiparou o procedimento do Mandado de Injunção ao do Mandado de Segurança no que couber, conforme o julgado abaixo:
MANDADO DE INJUNÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM SOBRE SUA AUTO-APLICABILIDADE, OU NÃO. EM FACE DOS TEXTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL RELATIVOS AO MANDADO DE INJUNÇÃO, E ELE AÇÃO OUTORGADA AO TITULAR DO DIREITO, GARANTIA OU PRERROGATIVA A QUE ALUDE O ART. 5.º, LXXI, DOS QUAIS O EXERCÍCIO ESTÁ INVIABILIZADO POR FALTA DE NORMA REGULAMENTADORA, E AÇÃO QUE VISA A OBTER DO PODER JUDICIÁRIO A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DESSA OMISSÃO SE ESTIVER CARACTERIZADA A MORA REGULAMENTAR POR PARTE DO PODER, ÓRGÃO, ENTIDADE OU AUTORIDADE DE QUE ELA DEPENDA, COM A FINALIDADE DE QUE SE LHE DÊ CIÊNCIA DESSA DECLARAÇÃO, PARA QUE ADOTE AS PROVIDÊNCIAS NECESSÁRIAS, A SEMELHANÇA DO QUE OCORRE COM A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO (ARTIGO 103, PAR-2., DA CARTA MAGNA), E DE QUE SE DETERMINE, SE SE TRATAR DE DIREITO CONSTITUCIONAL OPONÍVEL CONTRA O ESTADO, A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS OU ADMINISTRATIVOS DE QUE POSSA ADVIR PARA O IMPETRANTE DANO QUE NÃO OCORRERIA SE NÃO HOUVESSE A OMISSÃO INCONSTITUCIONAL. – ASSIM FIXADA A NATUREZA DESSE MANDADO. E ELE, NO ÂMBITO DA COMPETÊNCIA DESSA CORTE – QUE ESTÁ DEVIDAMENTE DEFINIDA PELO ART. 102, I, ‘Q’ - , AUTO EXECUTÁVEL, UMA VEZ QUE, PARA SER UTILIZADO, NÃO DEPENDE DE NORMA JURÍDICA QUE O REGULAMENTE, INCLUSIVE QUANTO AO PROCEDIMENTO, APLICÁVEL QUE LHE É ANALOGICAMENTE O PROCEDIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, NO QUE COUBER. QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE NO SENTIDO DA AUTO-APLICABILIDADE DO MANDADO DE INJUNÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.(STF – MI: 107 DF, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Data de julgamento: 23/11/1989, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 21-09-1990 PP-09782 ELEMENT VOL-01595-01 PP-00001)
Portanto, mesmo antes da entrada em vigor da Lei nº 13.300/16, a ausência de norma regulamentadora nunca deixou o jurisdicionado desamparado quanto à aplicação dos seus direitos constitucionais. O procedimento do Mandado de Segurança serviu como paradigma para o Mandado de Injunção, naquilo que fosse cabível, garantindo a efetividade das garantias fundamentais.
