Recurso especial nas tutelas provisórias e o (des)cabimento da Súmula 735/STF

No âmbito do contencioso judicial tributário, cujo litígio está atrelado à resistência do exercício de um direito subjetivo de um lado e o seu cumprimento de outro, instrumentos processuais estão colocados à disposição dos sujeitos dessa relação (Fisco/contribuinte), em prol da efetividade jurisdicional compositiva de seus conflitos.


Nesse contexto, e considerando o momento em que se encontra o ciclo de concretização normativo-tributário, serão praticados no bojo das ações antiexacionais [1] [2] atos cuja observância à instrumentalidade, no sentido de meio de solução da lide, se espera seja de rigor.


Contudo, a fim de que esse resultado ocorra em tempo razoável, observado o devido processo, ao qual estão submetidas tais ações, são incrementadas medidas prévias, concomitantes ou supervenientes com o intuito de, ao menos, resguardar o reconhecimento de futuras pretensões que objetivam (1) a declaração de inexistência de relação jurídica, (2) a anulação do crédito tributário ou mesmo (3) a recuperação do indébito. A referência é às tutelas judiciais provisórias.


As tutelas provisórias, nas palavras de Rodrigo Dalla Pria, são "definidas pela análise concreta dos fundamentos que as autorizam (urgência e evidência) e, também, pela eficácia material pretendida pelo requerente (acautelatória/antecipatória)" [3], e que em termos de normatização e aplicabilidade no campo do processo judicial tributário antiexacional são identificadas no Código de Processo Civil (artigos 294 usque 311) de forma geral, e de forma específica na Lei do Mandado de Segurança, Lei nº 12.016/2009 (artigo 7°) [4].


Denomina-se provisória porque consagra medida que decorre de um pronunciamento não definitivo do Estado-juiz, interlocutório, disparado pelos fundamentos definidos na lei geral, se de urgência, no fumus boni iuris (probabilidade do direito) e no periculum in mora (risco de dano material ou processual), se de evidência, nos critérios fixados no artigo 311, do CPC que consagra a tutela da não urgência, nominada tutela de evidência.


Assume essa medida, no processo tributário antiexacional, independentemente do fundamento convocado, natureza cautelar, diante do que dispõe o artigo 151 do Código Tributário Nacional, assim como o caráter rebus sic stantibus, pois atrelada a uma situação fática que poderá modificar-se com o tempo, ensejando, inclusive, seja conhecida, modificada, suspensa e revogada pelo próprio juízo de 1° grau ou, até mesmo, perante os tribunais locais, via agravo de instrumento (artigo 1.015, inciso I, do CPC), especialmente quando decidida com malferição de texto de lei [5].


Mas se aventarmos esse tema em sede de recursos excepcionais, leia-se, extraordinário (RE) e especial (REsp), pergunta-se: haveria espaço para esse debate levando-se em conta o conceito de "causa" previsto nos artigos 102, inciso III e 105, inciso III, da CF, pressuposto indispensável para fins de conhecimento desses apelos?


Pois bem, atento ao enunciado da súmula 735/STF (Não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar), adotado por analogia e aplicado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça [6], instantaneamente a resposta seria negativa se tomada na sua literalidade.


E não poderia ser diferente, pois as tutelas provisórias analisadas tanto no primeiro quanto no segundo graus de jurisdição se submetem a um juízo precário que tomam como objeto as condições fáticas do momento da prolação da referida decisão, além do fato de a questão jurídica de mérito objeto da causa — e convocada como alicerce do fumus boni iuris — somente estará decidida em única ou última instância[7] com o seu julgamento definitivo perante os Tribunais de Justiça ou Regionais Federais, ou seja, com o esgotamento de todos os recursos ordinários cabíveis [8].


Em que pese esse cenário, merece atenção diferenciada não só a leitura como também a interpretação que merece ser dada ao conteúdo dos julgados que provocaram a produção do enunciado sumular 735/STF, notadamente quando se preza à máxima efetividade jurisdicional, posto que, para fins de manejo de recurso especial, nem sempre estar-se-á buscando a análise de seu cabimento contra aspectos fáticos ou ofensa a dispositivos de lei relacionados ao próprio mérito da causa (v.g. crédito tributário).


Isso porque, não raro, questiona-se — e essa controvérsia é admitida no Superior Tribunal de Justiça [9] — a revisão de decisão que concedeu a tutela provisória, mas cuja causa de recorrer [10] sustenta-se apenas e tão somente na interpretação das normas que regulam o seu deferimento, isto é, nos requisitos fixados em lei federal (fumus e periculum, ou um dos fundamentos da evidência) e não, repise-se, no próprio mérito da causa que justificará a decisão definitiva (sentença) a ser prolatada no processo.


Consequentemente, se transportarmos esse entendimento para o centro dos litígios judiciais tributários antiexacionais, partindo da premissa de que o contribuinte socorrer-se-á de um requerimento de tutela (1) ainda não definitiva, (2) fundada na urgência ou evidência, (3) visando à satisfação de uma eficácia material (cautelar diante do conteúdo do artigo 151 do CTN, como adrede referido), (4) que não envolva o mérito da causa (v.g., discussão a respeito da exigibilidade do crédito/indébito tributário) e, consequentemente, sua (5) concessão, ou não, pelas instâncias ordinárias afrontar os critérios firmados nas normas processuais de regência como, por exemplo, abordar apenas o requisito do periculum e nada tratar a respeito do fumus, a hipótese é de conhecimento do apelo excepcional, sendo, assim, inaplicável o óbice da súmula 735/STF.


 

[1] Diante da temática objeto dos julgados que geraram o conteúdo da Súmula sob análise, os quais avaliaram a recorribilidade da concessão de medidas liminares em ações de iniciativa do particular, o presente artigo não fará referência às ações exacionais.


[2] https://www.conjur.com.br/2021-mai-04/paulo-conrado-medidas-exacionais-antiexacionais


[3] Direito processual tributário. 1ª ed. São Paulo: Noeses, 2020, pag. 231.


[4] Para mais a respeito das tutelas provisórias, remetemos a leitora e o leitor aos seguintes artigos:


https://www.conjur.com.br/2021-mar-16/camila-vergueiro-processo-tributario-tutela-provisoria


https://www.conjur.com.br/2021-mai-23/processo-tributario-dobradinha-fundamento-tutela-provisoria-cpc2015


[5] Enunciado 29 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: "A decisão que condicionar a apreciação da tutela provisória incidental ao recolhimento de custas ou a outra exigência não prevista em lei equivale a negá-la, sendo impugnável por agravo de instrumento".


[6] A exemplo: (1) AgInt no AREsp n. 1.996.993/GO, relator ministro Manoel Erhardt (desembargador convocado do TRF-5), 1ª Turma, DJe de 3/5/2022 e (2) AgInt no AREsp nº 1.828.605/PR, relator ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, DJe de 24/3/2022.


[7] "... as decisões que concedem ou denegam antecipação de tutela, medidas cautelares ou provimentos liminares, passíveis de alteração no curso do processo principal, não configuram decisão de última instância a ensejar o cabimento de recurso extraordinário." (ARE 988731 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 25/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 6/12/2016 PUBLIC 07-12-2016). Nos mesmos termos, RE 1077755 AgR, relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, 2ª Turma, julgado em 23/3/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 6/4/2018 PUBLIC 9/4/2018.


[8] Súmula 281/STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.


[9] "A orientação jurisprudencial do STJ, nos termos da Súmula nº 735/STF, é pelo não cabimento do recurso especial que - ao invés de apontar violação de dispositivo legal que normatiza o deferimento da medida cautelar ou da antecipação de tutela - visa reexaminar o próprio mérito da causa." AgRg no REsp 1.385.212/RJ, rel. ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 2ª TURMA, julgado em 12/8/2014, DJe 19/8/2014. Nesse mesmo sentido, os EDcl nos EDcl no REsp 1.280.826/MT, rel. ministro HERMAN BENJAMIN, 2ª TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 2/2/2015 e o AgRg no AREsp 464.505/MS, rel. ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 4ª TURMA, julgado em 27/3/2014, DJe 8/4/2014.


[10] A respeito da "causa de recorrer", a fim de complementar a informação, remetemos à leitura de artigo publicado nessa coluna: https://www.conjur.com.br/2021-jul-04/processo-tributario-acoes-tributarias-jurisdicao-delimitacao-causa-recorrer-instrumentalidade.

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Fonte: Conjur