Fim da Isenção de até US$ 50 nas Compras Internacionais: Uma Análise Mais Profunda

Com a nova regra da Receita Federal, após inclusão de uma emenda ao Programa Mover (PL 914/2024), a tributação de compras internacionais de até 50 dólares se tornou um assunto central no dia a dia dos consumidores brasileiros. Para aprofundar essa discussão, serão explorados alguns pontos cruciais.


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1. Impacto no Comércio Eletrônico


O primeiro e mais perceptível impacto é a mudança no cenário competitivo, pois a nova regra, em tese, nivela o campo de jogo entre empresas nacionais e internacionais, incentivando a produção nacional e o comércio local. Para as empresas brasileiras haverá aumento da competitividade com a tributação das compras internacionais, pois os produtos nacionais se tornarão mais competitivos em termos de preço, incentivando os consumidores a optarem por marcas brasileiras em detrimento das estrangeiras.


Outro impacto positivo é que as empresas brasileiras podem aproveitar essa oportunidade para expandir seus negócios, investindo em marketing digital e em uma melhor experiência de compra para os consumidores, que muitas vezes não focam somente em preços, mas também em qualidade e variedade, sendo esta uma reclamação recorrente dos consumidores nacionais.


Há a necessidade de adaptação dos produtores nacionais quanto às novas regras, porque deverão ajustar os seus preços e estratégias de marketing para se manterem competitivos. O mercado interno deve evitar elevar os preços com o intuito de tirar proveito da entrada em vigor das novas regras pois, caso contrário, estarão prejudicando os consumidores ao não se oferecerem como alternativas viáveis.


Em relação às empresas internacionais haverá redução das vendas pois a nova regra levará a redução das vendas de empresas internacionais no Brasil, especialmente para produtos de baixo valor agregado, como as famigeradas blusinhas da Shein.


Outro ponto relevante é que as empresas internacionais terão que adaptar seus sistemas para calcular e cobrar os impostos nas suas próprias plataformas no ato da compra. Isso poderá aumentar exponencialmente os seus custos operacionais e, consequentemente, fazer com que o preço do produto, que já tem a incidência do frete, ICMS e agora do imposto de importação, tenha também a inclusão desse gasto adicional no seu valor final.


As plataformas de comércio eletrônico como a Shopee, Shein, AliExpress e Amazon terão que se adaptar às novas regras, implementando sistemas de cobrança de impostos e informando os consumidores sobre os custos adicionais já no ato da compra. Tal sistemática já ocorre há algum tempo, mais precisamente desde a implementação do programa Remessa Conforme, do Governo Federal ainda em 2023.


A nova regra pode estimular o desenvolvimento do mercado interno, com o surgimento de novas empresas e a criação de empregos. A concorrência entre empresas nacionais e internacionais pode levar à melhoria da qualidade dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores. Esta nova regra pode incentivar a inovação, com o desenvolvimento de novas soluções para o comércio eletrônico.


2. Desafios para o Consumidor


O primeiro grande desafio é o exponencial aumento no custo final do produto, que pode desestimular as compras no exterior. Isso acabará por cercear o direito que o consumidor tem de escolher entre um produto não apenas pelo preço, mas também por todo valor agregado à sua experiência geral na compra.


Em relação ao direito de escolha que o consumidor possuía, é importante citar que nem sempre ele se baseia apenas no valor, também leva em consideração a qualidade do produto. É entendimento notório que o produtor nacional, escorando-se no protecionismo do mercado interno, opta por produzir itens de qualidade inferior ao que é produzido por produtores estrangeiros e cobra um valor descompassadamente alto


Deve ser citada também a complexidade da tributação pois, a forma como os impostos são cobrados pode tornar o processo de compra mais complicado, confuso e burocrático. Quanto à confusão na compra, pode ser citada a dificuldade em comparar preços, porque a comparação dos valores entre produtos nacionais e importados pode ficar comprometida devido à variação tributária, taxas de câmbio, fretes, despesas adicionais, etc. Nos sites citados anteriormente, o custo total da compra é mostrado somente na página de finalização da compra.


3. Benefícios para o Governo e para a Sociedade


O aumento da arrecadação é o benefício mais notável, pois as receitas auferidas do que está sendo cobrado a título de imposto de importação podem ser utilizadas para financiar políticas públicas e investimentos em áreas como saúde e educação.


Apesar de muito ser alegado a respeito, a extinção da isenção não tem, necessariamente, a ver com o combate à sonegação tributária, e sim com à competitividade das empresas nacionais em relação às estrangeiras. Tanto é assim que tal medida só foi possível graças à forte pressão exercida pelos produtores nacionais sobre a classe política.


A proteção da indústria nacional é outro ponto citado como benéfico. A nova regra tem o potencial de proteger os empreendimentos nacionais, incentivando a produção de bens no Brasil, evitando o fechamento de empresas e, com isso, gerando empregos e renda para a massa de trabalhadores brasileiros.


4. Questões em Aberto


Uma das questões que ainda não foi respondida é se a cobrança terá eficácia o suficiente para evitar a evasão fiscal pois, certamente, ocorrerão muitas fraudes com o fito de tirar o peso, já grande, da carga tributária sobre si no momento em que os produtos forem adquiridos.


Outro ponto que merece reflexão é sobre o impacto no comércio informal, pois a nova regra pode acabar por incentivá-lo. Isso pode acontecer principalmente com a venda de produtos importados sem nota fiscal, frustrando a proposta de aumento da arrecadação. Essa é uma questão sensível para o Estado, porque foi exatamente a justificativa de aumentar a arrecadação, além da possibilidade de o mercado interno poder competir em pé de igualdade com o mercado externo, que foi incluída a emenda ao PL 914/2024 que revogou a isenção de imposto para compras de até US$ 50,00.


Para tanto, é possível (e necessário) que a legislação seja ajustada nos próximos meses, a fim de esclarecer dúvidas e solucionar problemas de aplicação da medida além das críticas que possam vir de interpretações errôneas feitas pela opinião pública.


5. Comparação da Tributação de Compras Internacionais no Brasil e em Outros Países


A tributação de compras internacionais é um tema complexo e varia significativamente entre os países. No Brasil, como já sabido, houve a recente implementação da cobrança de 20% para compras de até US$ 50,00 e trouxe à tona a discussão sobre como outros países lidam com essa questão.


I. No Brasil


O sistema da tributação brasileira é caracterizado por uma combinação de impostos federais (Imposto de Importação) e estaduais (ICMS). Até recentemente, havia um limite de isenção para compras de até US$ 50,00, porém, atualmente, todas as compras passaram a estar sujeitas à tributação.


As alíquotas variam de acordo com o tipo de produto e o valor da compra. Essa mecânica é desafiadora pois torna o sistema tributário brasileiro demasiadamente dificultoso de se lidar e, com isso, acaba por fomentar a evasão fiscal por parte daqueles que querem reduzir os seus custos de compra e isso acaba dificultando a fiscalização pelos órgãos de controle.


II. Nos Estados Unidos


Nos Estados Unidos, o imposto sobre vendas (sales tax) é aplicado em nível estadual e local, variando de um estado para outro. O limite de isenção para compras internacionais pode variar de acordo com o estado.


As alíquotas do imposto sobre vendas também variam de um estado para outro. Isso pode ser desafiador devido à complexidade do sistema tributário, com diferentes leis em cada estado, podendo gerar dificuldades para as empresas e os consumidores.


III. No Canadá


O imposto de importação (Duties) é aplicado sobre o valor aduaneiro das mercadorias importadas. O valor aduaneiro inclui o custo do produto, o frete e o seguro. Já o GST (Goods and Services Tax), é um imposto federal de 5% aplicado sobre a maioria dos bens e serviços, incluindo produtos importados. O PST (Provincial Sales Tax) é aplicado em algumas províncias, sendo assim, um imposto provincial sobre vendas. A taxa varia de acordo com a província. Por exemplo, em British Columbia, a PST é de 7%, enquanto em Manitoba é de 8%. Por fim, há o HST (Harmonized Sales Tax), sendo originado da combinação do GST e o PST, realizada por algumas províncias formando um imposto único. A taxa do HST varia entre 13% e 15%, dependendo da província.


Quanto às isenções, certos produtos podem ser isentos de GST e PST, como alimentos básicos, medicamentos prescritos e alguns dispositivos médicos.


IV. Na União Europeia


A sistemática na União Europeia é encabeçada pelo Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), que é aplicado em todas as etapas da cadeia de produção e distribuição. O limite de isenção para compras internacionais varia de um país para outro, mas limitado a 150 euros.


As alíquotas do IVA variam de um país para outro, mas há uma alíquota padrão para bens e serviços. Semelhante ao que acontece nos Estados Unidos, o sistema tributário europeu é complexo por causa das diferentes legislações nacionais que podem dificultar o comércio eletrônico transfronteiriço.


V. Na China


O imposto de importação (Customs Duty) é calculado como uma porcentagem do valor do produto importado e varia de acordo com o tipo de produto e seu país de origem. Já o imposto sobre valor agregado (IVA) é aplicado sobre o valor do produto mais o imposto de importação. A taxa padrão do IVA na China é de 13%, mas pode variar dependendo do produto. O imposto de consumo é aplicado a produtos específicos, como tabaco, álcool e cosméticos. A taxa varia conforme o tipo de produto.


Mesmo sendo um sistema repleto de minúcias, o arcabouço tributário chinês permite uma variação de isenção a título de imposto de importação de US$ 7 até US$ 700 (este sendo exclusivo para compras nos comércios eletrônicos). No entanto, tal sistemática pode ainda comportar outros tributos, como as taxas de inspeção e quarentena, dependendo do tipo de mercadoria importada, o que pode elevar demasiadamente o valor final do produto.


Comparativo resumido:



6.    Conclusão


Após análise das informações expostas, conclui-se que os benefícios propostos são incertos diante da complexidade inerente ao sistema tributário nacional. A realização de uma brusca mudança de uma metodologia socialmente consolidada de isenção tributária que o consumidor brasileiro estava acostumado, pode agravar essa situação. Há que se falar também nos riscos existentes para a economia como um todo, pois a ideia de aumento de arrecadação pode ser absolutamente frustrada com a busca, por parte dos consumidores, de alternativas que nem sempre são legais, como por exemplo, o descaminho de mercadorias e sua aquisição no mercado interno.


Também deve ser citado o fato de que o consumidor poderá ser o grande prejudicado no final das contas, pois além de haver um aumento considerável no valor dos produtos importados, os produtores nacionais poderão equiparar os preços de itens semelhantes ao que é ofertado no exterior, mas com uma grande redução na qualidade. Tal situação deixaria o consumidor em uma posição difícil, pois a sua opção de escolha, não só entre um valor e outro, mas também entre a aparente qualidade de produtos nacionais e importados, estaria comprometida. Esse é o ponto principal desse debate.


Portanto, mesmo pondo em perspectiva os benefícios citados ao longo deste texto, entende-se que não vale a pena interferir, dessa forma, na dinâmica do mercado consumidor interno visando apenas o aumento arrecadatório do Estado para passar por cima dos consumidores brasileiros. Principalmente quando é visível que estão se aproveitando dos apelos dos produtores nacionais para alcançar esse objetivo. Essa é uma postura totalmente desarrazoada porque o correto seria incentivar os produtores nacionais a melhorar a qualidade dos seus produtos para serem competitivos com os do exterior e mais atraentes ao consumo interno, e não quase promover um bloqueio ao acesso do consumidor nacional aos produtos estrangeiros - que são notoriamente de melhor qualidade - elevando o seu custo final através dessa revogação da isenção tributária. A pressão pública, principalmente advindas do mercado consumidor interno, fará com que haja uma regulamentação dessa nova regra com o fim de suavizar os seus efeitos.