PAD vs. Sindicância Administrativa: Entenda as Diferenças e Semelhanças no Serviço Público

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Introdução


No complexo universo do Direito Administrativo Disciplinar, dois procedimentos se destacam como ferramentas essenciais para a apuração de irregularidades e infrações disciplinares no serviço público: o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e a sindicância administrativa. Embora ambos tenham o objetivo comum de investigar fatos, suas finalidades, naturezas e consequências são distintas. Este artigo explora em detalhes cada um deles, esclarecendo suas características, ritos e as principais diferenças e semelhanças.


1. O Processo Administrativo Disciplinar (PAD): Detalhes e Implicações


O Processo Administrativo Disciplinar é um procedimento formal e complexo, meticulosamente previsto no nosso ordenamento jurídico – especificamente do art. 143 ao art. 182 da Lei 8.112/90. Seu objetivo primordial é apurar infrações cometidas por servidores públicos ou indivíduos sujeitos a um regime disciplinar específico, como militares, buscando estabelecer a responsabilidade do servidor ou da pessoa envolvida na prática de condutas irregulares no âmbito da Administração Pública.


A principal legislação que rege o PAD no âmbito da União é a já mencionada Lei nº 8.112/1990, que estabelece o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais. É fundamental destacar que os demais entes federativos (Estados e Municípios) possuem autonomia para criar suas próprias leis e regulamentos que disciplinam o PAD dentro de suas respectivas esferas de atuação, embora frequentemente se inspirem na legislação federal.


Estrutura e Fases do PAD:

O procedimento do PAD inicia-se formalmente com a instauração do processo, geralmente por meio de portaria ou outro ato formal, que designa uma comissão processante. Esta comissão, composta por servidores públicos estáveis, é responsável por conduzir toda a investigação, incluindo a coleta de provas, oitiva de testemunhas e a análise aprofundada dos elementos que possam comprovar ou refutar a prática da infração disciplinar.


Durante todo o processo, são rigorosamente assegurados ao acusado direitos fundamentais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, conforme estabelecido nos incisos LIV e LV do art. 5.º da Constituição Federal. O servidor tem o direito inalienável de apresentar defesa escrita, arrolar testemunhas e produzir quaisquer outras provas em sua defesa. A comissão pode, ainda, determinar a realização de diligências adicionais, perícias ou outras medidas que considere necessárias para o completo esclarecimento dos fatos.


Ao final da instrução do processo, a comissão elabora um relatório conclusivo. Neste documento, são detalhados os fatos apurados e as conclusões sobre a existência ou não de infração disciplinar. Caso a comissão conclua pela existência da infração, é formulada uma proposta de penalidade ao servidor. As penalidades estão previstas na Lei 8.112/90 e podem variar consideravelmente de acordo com a gravidade da conduta, abrangendo:


  • Advertência (arts. 127, I e 129)
  • Suspensão (arts. 127, II, 130, caput, §§ 1.° e 2.° e 131)
  • Demissão (arts. 127, III e 132)
  • Outras penalidades específicas, como cassação de aposentadoria ou destituição de cargo em comissão.


Após a análise do relatório e da proposta de penalidade, a autoridade competente – que pode ser o chefe do órgão ou a autoridade máxima da instituição – proferirá a decisão final. Caso a infração seja comprovada, a penalidade será aplicada. É imperativo reiterar que, em todas as etapas do PAD, a garantia da ampla defesa e do contraditório ao acusado deve ser inquestionável.


É crucial destacar que o Processo Administrativo Disciplinar é um instrumento específico para apurar infrações no âmbito da administração pública, não se confundindo com o processo penal, que tem como objetivo a apuração de crimes e é de competência exclusiva do Poder Judiciário.


Sugestão de leitura:

Desídia Funcional no Serviço Público: Entenda as Implicações e Estratégias de Defesa em um PAD;

STJ: reconhecimento de falta grave prescinde de instauração de PAD


2. A Sindicância Administrativa: Procedimento Preliminar e Investigativo


A sindicância administrativa, prevista no art. 143, caput da Lei 8.112/90, é um procedimento de caráter preliminar e investigativo. Também conhecida como sindicância administrativa disciplinar, ela é utilizada no âmbito da Administração Pública brasileira para apurar irregularidades e fatos que, eventualmente, possam ensejar a instauração de um Processo Administrativo Disciplinar.


Diferentemente do PAD, a sindicância tem uma natureza mais focada na investigação preliminar. Seu propósito é reunir informações e elementos que sirvam de subsídio para a tomada de decisão sobre a real necessidade de instaurar ou não um processo disciplinar formal. Ela é conduzida por uma comissão de sindicância, composta por servidores públicos designados para essa finalidade. A comissão terá um prazo de 30 dias para a conclusão dos trabalhos, prorrogável por igual período, a critério da autoridade superior, conforme o parágrafo único do art. 145 da Lei 8.112/90.


O objetivo principal da sindicância administrativa é a coleta de provas – através de depoimentos, documentos e outras diligências – para esclarecer os fatos e verificar se existem indícios suficientes de irregularidades que justifiquem a abertura do PAD.


Durante a sindicância, embora em um formato mais simplificado que o PAD, também são assegurados ao investigado os princípios do contraditório e da ampla defesa. Isso permite que ele apresente sua versão dos fatos, entregue documentos relevantes e indique testemunhas, caso julgue necessário para sua defesa.


Ao final da sindicância, a comissão elabora um relatório conclusivo, descrevendo os fatos apurados e suas conclusões sobre a existência ou não de irregularidades. Se a comissão concluir que há indícios suficientes de infração disciplinar, ela recomendará a instauração do Processo Administrativo Disciplinar. Por outro lado, caso não sejam encontrados indícios suficientes, a sindicância é simplesmente arquivada, sem a necessidade de prosseguimento para um PAD.


É crucial ressaltar que a sindicância administrativa não resulta diretamente na aplicação de penalidades ao investigado. Seu propósito é unicamente subsidiar a decisão de instaurar ou não o Processo Administrativo Disciplinar. As penalidades, se forem necessárias, serão aplicadas somente no âmbito e após a conclusão do PAD.


Assim como no PAD, cada ente federativo (União, estados e municípios) pode ter suas próprias normas e regulamentos que disciplinam a sindicância administrativa, estabelecendo os procedimentos e prazos específicos a serem seguidos em sua jurisdição.


3. Diferenças Cruciais entre o PAD e a Sindicância Administrativa


Embora o Processo Administrativo Disciplinar e a sindicância administrativa sejam procedimentos relacionados à apuração de irregularidades na Administração Pública, suas distinções são fundamentais para entender suas aplicações e consequências.


Principais Diferenças:


  • Finalidade:
    • PAD: Sua finalidade principal é apurar a responsabilidade do servidor ou pessoa sujeita a regime disciplinar, visando à aplicação de penalidades caso as infrações sejam comprovadas.
    • Sindicância Administrativa: É um procedimento preliminar e investigativo. Seu objetivo é coletar informações e elementos que subsidiem a decisão de instaurar ou não um PAD, verificando se existem indícios suficientes de irregularidades.
  • Caráter:
    • PAD: Possui um caráter formal, é mais complexo e estruturado, regido por normas específicas e com amplas garantias processuais ao acusado (ampla defesa, contraditório, devido processo legal).
    • Sindicância Administrativa: Tem um caráter menos formal, mais simplificado e com menor grau de estruturação. Embora também assegure o contraditório e a ampla defesa, seu foco é a coleta de informações preliminares.
  • Resultado:
    • PAD: Pode resultar na aplicação de penalidades ao servidor ou pessoa investigada, como advertência, suspensão, demissão, entre outras, dependendo da gravidade da conduta.
    • Sindicância Administrativa: Não resulta diretamente na aplicação de penalidades. Seu resultado é um relatório conclusivo que recomenda a instauração ou o arquivamento do PAD. As penalidades, se cabíveis, virão apenas do PAD.
  • Procedimento:
    • PAD: Segue um rito mais formal e rigoroso, com etapas definidas: instauração, instrução (com ampla defesa e contraditório), relatório final e decisão administrativa.
    • Sindicância Administrativa: É menos estruturada e mais flexível em sua condução. Não há uma previsão legal tão detalhada para seu rito, permitindo maior liberdade na coleta de informações e na condução das investigações.


Portanto, a distinção principal entre o Processo Administrativo Disciplinar e a sindicância administrativa reside em suas finalidades, no caráter de cada um, nos resultados que podem gerar e no rigor de seus procedimentos. Enquanto o PAD é um procedimento formal para apurar responsabilidades e aplicar sanções, a sindicância é um procedimento preliminar e investigativo, um passo anterior para decidir se o PAD é necessário.


4. Semelhanças Importantes entre os Procedimentos


Apesar das diferenças claras, o Processo Administrativo Disciplinar e a sindicância administrativa compartilham algumas semelhanças importantes que os conectam no sistema de controle disciplinar da Administração Pública.


Pontos em Comum:

  • Objetivo Geral: Ambos têm como objetivo principal a apuração de irregularidades e infrações disciplinares cometidas por servidores públicos ou indivíduos submetidos a um regime disciplinar específico.
  • Caráter Investigativo: Tanto no PAD quanto na sindicância administrativa, são realizadas atividades investigativas para coletar provas, depoimentos, documentos e outros elementos que possam subsidiar a apuração dos fatos e a conclusão do procedimento.
  • Contraditório e Ampla Defesa: Em ambos os procedimentos, é assegurado ao investigado o direito ao contraditório e à ampla defesa. Isso significa que o acusado tem o direito de apresentar sua versão dos fatos, acompanhar o procedimento, apresentar provas e arrolar testemunhas em sua defesa.
  • Comissão Processante/Sindicante: Em ambos os casos, é constituída uma comissão (comissão processante para o PAD e comissão de sindicância para a sindicância) responsável pela condução do procedimento. Essa comissão é composta por servidores públicos designados e tem a responsabilidade de colher provas, ouvir testemunhas, analisar documentos e emitir um relatório conclusivo.
  • Relatório Final: Tanto no PAD quanto na sindicância administrativa, é elaborado um relatório conclusivo ao final do procedimento. Esse relatório descreve os fatos apurados, as provas reunidas e as conclusões sobre a existência ou não de irregularidades ou infrações disciplinares.
  • Possibilidade de Arquivamento: Em ambos os cenários, é possível o arquivamento do procedimento. Caso não sejam encontrados indícios suficientes de irregularidades ou infrações disciplinares, tanto o PAD quanto a sindicância administrativa podem ser arquivados.


Embora haja essas semelhanças operacionais e principiológicas, é crucial reafirmar que o PAD e a sindicância administrativa possuem finalidades e consequências distintas. Enquanto o PAD visa à aplicação de penalidades, a sindicância administrativa tem como propósito subsidiar a decisão de instaurar ou não um PAD, servindo como um filtro prévio e investigativo.