Breve resumo abordando a desídia funcional e a postura a ser adotada pela defesa no âmbito de um eventual PAD.
O que é a desídia funcional?
Para uma melhor compreensão do que seja, é necessário primeiro explicar o que é para depois avançarmos no tema. A desídia funcional no serviço público é uma terminologia jurídica cujo significado refere-se à negligência, descuido, desleixo e incúria de um servidor público no desempenho de suas funções. Tal atitude é considerada um ato contrário ao que se espera de um agente público como, por exemplo, ser diligente, ter um bom desempenho e ser zeloso, que são requisitos justificadores da presença do servidor público nos quadros da Administração Pública.
A desídia do servidor público é um tema complexo e possui muitas peculiaridades, que se encontram na tormentosa parte que toca o Direito do Trabalho, o Direito Administrativo e o Direito Penal. A determinação do seu conteúdo jurídico necessita da teoria do Direito Penal. O ato desidioso por parte do agente público possui dois componentes objetivos (o descumprimento de uma obrigação e um prejuízo), um componente subjetivo (a intenção de eliminar ou diminuir o esforço) e um componente normativo (a confiança, na relação de emprego, ou a proporcionalidade, no serviço público).
A desídia pode ser classificada em três tipos diferentes: geral, excepcional e intermediária. A desídia geral tem como características principais a falta de zelo, descumprimento de normas e insubordinação. A desídia excepcional ocorre quando o servidor público não cumpre, injustificadamente, as obrigações inerentes ao exercício da função pública, reduzindo a quantidade ou a qualidade do produto de sua atividade afetando a eficiência do serviço público. Quanto à desídia intermediária, esta é uma modalidade adicional da desídia do servidor público.
Como seria a defesa em um PAD em caso de desídia?
O processo administrativo disciplinar, o famoso PAD, é um procedimento que objetiva apurar responsabilidades de um servidor que supostamente praticou um ato infracional no exercício de suas funções e, eventualmente, serve de fundamento para a aplicação de penalidades. Nesse momento, a defesa do servidor público é crucial, já que é por meio dela que serão apresentados argumentos e provas que possam afastar a responsabilidade do servidor. É bom lembrar que a defesa pode ser realizada escrita ou oralmente a depender das regras estabelecidas pela Administração pública. Além disso, é importante que o advogado conheça as regras e normas que regem o processo administrativo a fundo e assegure que todas as garantias e prerrogativas legais sejam observadas no curso do processo, mesmo esse sendo de natureza administrativa.
Abaixo estão listadas algumas diretrizes que podem ser consideradas na elaboração de uma defesa apropriada:
1. Ciência das acusações por parte do servidor:
Deve-se ter claramente as acusações apresentadas. A análise os documentos do processo administrativo é essencial para ter uma compreensão completa das alegações.
2. Assistência Jurídica:
Busque a assistência de um advogado especializado em direito administrativo. Um profissional capaz de fornecer orientação sobre os procedimentos, apresentar argumentos jurídicos sólidos e garantir que seus direitos sejam protegidos.
3. Respeito aos Prazos:
É necessário que todos os prazos sejam rigorosamente estabelecidos no processo. Isso inclui prazos para apresentação de defesa, requerimento de documentos e demais diligências.
4. Apresentação de Provas e Testemunhas:
Devem ser reunidas todas as evidências que possam apoiar a defesa. Isso pode incluir registros, documentos, e-mails, testemunhas ou qualquer outro elemento que refute as alegações contra o servidor.
5. Argumentação Clara e Lógica:
É importante a formulação de argumentos claros, lógicos e bem fundamentados para contestar cada uma das acusações. Devem ser evitadas respostas evasivas e manter o foco nos fatos relevantes.
6. Respeito aos Princípios do Contraditório e Ampla Defesa:
É necessário que haja a certificação de que está sendo dado espaço para apresentar versão dos fatos por parte do servidor. O princípio do contraditório assegura que ambas as partes tenham a oportunidade de se manifestar.
7. Demonstração de Cumprimento de Deveres e Responsabilidades:
Caso alegações envolvam o não cumprimento de deveres, devem ser fornecidas evidências que demonstrem o histórico de desempenho eficiente e responsável no serviço público.
8. Ressalte Medidas Corretivas Adotadas:
Se relevantes, devem ser destacadas quaisquer medidas corretivas que o servidor tenha adotado para lidar com possíveis problemas identificados.
9. Respeito aos Princípios da Proporcionalidade e Legalidade:
A argumentação deve focar no fato de que as penalidades propostas devem ser proporcionais à suposta infração e estejam em conformidade com a legislação aplicável.
10. Revisão da Legalidade do Processo:
Caso haja falhas procedimentais ou questões relacionadas à legalidade do processo, o advogado pode contestar essas questões.
11. Expressão de Remorso ou Comprometimento com a Melhoria:
Se apropriado, deve ser demonstrado remorso pelas circunstâncias e expressar comprometimento em corrigir eventuais falhas.
As etapas anteriormente citadas são apenas um esboço de uma estratégia de defesa, pois é importante lembrar de que cada caso é único, e a defesa a ser elaborada deve ser adaptada às circunstâncias específicas do processo administrativo disciplinar.
A defesa prévia é a etapa na qual o servidor público apresenta sua defesa, onde há a contestação das acusações e a apresentação de provas que possam afastar sua responsabilidade. É importante que a defesa seja bem elaborada e baseada, mais uma vez, em solidez argumentativa e probatória capazes de comprovar a inocência do servidor.
No âmbito federal, o processo administrativo disciplinar, o famoso PAD, segue as regras e etapas previstas na Lei nº 9.784/99. As etapas do processo administrativo são: instauração, notificação, defesa prévia, instrução, julgamento e recurso. Se após todas essas etapas administrativas do processo disciplinar o resultado não for favorável ao servidor, este poderá ingressar com uma ação judicial requerendo o exame da regularidade do procedimento disciplinador e da legalidade do ato à luz dos princípios do contraditório, ampla defesa, do devido processo legal e demais princípios pertinentes a essa temática.
No âmbito judicial, o Superior Tribunal de Justiça, nos autos do MS 20.940 decidiu que o servidor público só pode ser demitido por desídia funcional se houver repetição da conduta. O relator da ação, o ministro Napoleão Nunes em seu voto declarou que nos casos de desídia, há a necessidade da apuração dos fatos por parte da Administração e, se for o caso, que seja aplicada uma punição mais branda, para que o servidor tenha conhecimento do seu baixo rendimento no serviço público. A pena máxima de demissão será possível apenas se a conduta infracional persistir.
Dessa forma, após essa decisão do STJ, fica clara a impossibilidade de o servidor ser demitido por desídia após a instauração de um único PAD, devendo a gravidade punitiva sofrer uma gradação, inicialmente da punição mais leve à mais grave.