De início, é necessário explanar de forma breve o que é um negócio jurídico e quais são as suas principais características. Após isso, será feita uma abordagem da teoria da actio nata nos negócios jurídicos e, por fim, será feita uma ligação entre a citada teoria e a boa-fé objetiva.
A teoria da actio nata é um conceito fundamental no Direito Civil,
especialmente quando se trata de determinar o início do prazo prescricional
para o exercício de um direito. No âmbito dos negócios jurídicos, essa teoria
possui características e implicações específicas.
1 – Conceito de negócio jurídico
Previsto do art. 104 ao 184 no Código Civil, o
negócio jurídico é a manifestação de vontade de uma ou mais pessoas (sujeitos),
com o objetivo de produzir efeitos jurídicos, ou seja, criar, modificar ou
extinguir direitos e obrigações.
Em outras palavras, é através dos negócios jurídicos que as pessoas
regulam suas relações, estabelecendo acordos e contratos que serão reconhecidos
e protegidos pelo Direito.
1.1 Elementos Essenciais do Negócio Jurídico?
O art. 104, do Código Civil determina que para que um negócio jurídico
seja válido, ele precisa conter os seguintes elementos:
a) Agente capaz: As pessoas
que celebram o negócio jurídico devem ter capacidade civil para praticar o ato.
b) Objeto lícito,
possível, determinado ou determinável: O objeto do negócio jurídico
deve ser algo lícito (não proibido por lei), possível de ser realizado e
determinado ou pelo menos determinável (capaz de ser definido com precisão).
c) Forma
prescrita ou não proibida em lei: A forma do negócio jurídico pode ser livre, ou
seja, as partes podem escolher a forma que melhor lhes convier, exceto quando a
lei exigir uma forma específica para determinados negócios.
d) Manifestação
de vontade: As partes devem manifestar sua vontade de forma clara e inequívoca,
concordando com os termos do negócio jurídico.
1.2 Tipos de Negócios Jurídicos
Existem diversos tipos de negócios jurídicos, que podem ser
classificados de acordo com diversos critérios, como:
a)
Unilaterais ou bilaterais: Unilaterais quando a manifestação de vontade é
de apenas uma pessoa (ex: testamento), e bilaterais quando há a manifestação de
vontade de duas ou mais pessoas (ex: contrato de compra e venda).
b)
Onerosos ou gratuitos: Onerosos quando as partes trocam prestações
(ex: compra e venda), e gratuitos quando uma parte beneficia a outra sem
receber nada em troca (ex: doação).
c)
Comutativos ou aleatórios: Comutativos quando as prestações são
equivalentes (ex: compra e venda de um imóvel), e aleatórios quando o
desempenho de uma das prestações depende de um acontecimento futuro incerto
(ex: seguro).
1.3 Validade do Negócio Jurídico
Para que um negócio jurídico seja válido, ele deve atender a todos os
requisitos legais (todos os elementos previstos no art. 104 do CC devem estar
presentes simultaneamente). Caso algum desses requisitos não seja atendido, o
negócio jurídico poderá ser considerado nulo ou anulável. Cada um destes –
nulidade e anulabilidade – atinge o negócio jurídico de uma forma específica
conforme descrito abaixo:
a) Nulidade: é um vício
insanável do negócio jurídico, que o torna inexistente desde a sua origem. A
nulidade pode ser declarada por qualquer interessado ou pelo juiz de ofício.
b) Anulabilidade: é um vício
sanável do negócio jurídico, que permite que o negócio jurídico seja mantido
até que seja anulado por decisão judicial. A anulabilidade pode ser alegada
apenas pelas partes diretamente envolvidas no negócio.
2 - Teoria da Actio Nata
2.1 Conceito
A teoria da actio nata é um princípio jurídico que estabelece o momento
a partir do qual começa a correr o prazo prescricional de uma determinada
pretensão. No contexto dos negócios jurídicos, essa teoria está diretamente
ligada à nulidade e à anulabilidade desses atos.
Etimologicamente falando, actio
significa ação, direito de agir e nata
significa nascer. Portanto, a expressão "actio nata" significa literalmente "ação nascida",
ou seja, o momento em que surge o direito de alguém de buscar a tutela judicial
para fazer valer um direito violado.
2.2 Como a teoria da actio nata
se aplica aos negócios jurídicos?
No caso dos negócios jurídicos, a teoria da actio nata determina que o prazo prescricional para se questionar a
validade de um negócio jurídico (por nulidade ou anulabilidade) começa a contar
a partir do momento em que o negócio jurídico se perfectibiliza, ou seja,
quando todos os elementos essenciais para a sua existência estão presentes, de
acordo com o art. 189 do Código Civil que determina que “violado o direito,
nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos
prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
Entretanto, a jurisprudência vem consolidando entendimento que o prazo
prescricional começa a contar a partir da ciência por parte do titular do
direito violado, conforme se vê no trecho do acórdão proferido pelo TJDF,
abaixo ementado:
Efetivamente, o início da fluência do prazo prescricional deve decorrer não da violação, em si, a um direito subjetivo, mas, sim, do conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo pelo seu respectivo titular. Com isso, a boa-fé é prestigiada de modo mais vigoroso, obstando que o titular seja prejudicado por não ter tido conhecimento da lesão que lhe foi imposta. Até porque, e isso não se põe em dúvida, é absolutamente possível afrontar o direito subjetivo de alguém sem que o titular tenha imediato conhecimento. (Curso de Direito Civil, Vol. 1, 10ª ed., JusPodivm, p. 726).” (grifamos)
Acórdão 1349202, 00206521020168070001, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 17/6/2021, publicado no DJE: 1/7/2021 (Grifos do autor).
2.3 Qual a importância dessa teoria?
A teoria da actio nata é
fundamental para a segurança jurídica, pois estabelece um prazo certo para que
as partes possam questionar a validade de um negócio jurídico. Se não houvesse
esse prazo, a insegurança jurídica seria grande, pois qualquer negócio jurídico
poderia ser questionado a qualquer momento.
2.4 Características da Teoria da Actio Nata
É possível determinar de forma
linear quais são as características da teoria em tela. A primeira delas é o
momento do nascimento da pretensão, pois a principal característica da actio nata é que o prazo prescricional começa a contar a partir do
momento em que a pretensão nasce. Ou seja, a partir do momento em que o direito
é violado e surge o direito à reparação.
A segunda característica é que esta teoria defende que
independe de ciência por parte do titular do direito violado, pois a teoria da actio nata, em sua forma clássica,
estabelece que o início da contagem do prazo prescricional é independente do
conhecimento que o titular do direito tem ou deveria ter da violação. A
prescrição começa a correr mesmo que a vítima não tenha ciência do fato lesivo.
No entanto, para o pai da teoria em comento, Savigny (2005, p. 896) a função da
teoria é justamente proteger aquele que de boa-fé não tem conhecimento da
violação do seu direito no âmbito do negócio jurídico, pois “enquanto um
direito não existe, não é possível descuidar do seu exercício
nem perdê-lo por
negligência. Para que
uma prescrição tenha
início é preciso, pois, uma actio
nata” (actioni nondum natae non praescribitur)”. É bom lembrar que esta
característica vem sendo atenuada pela jurisprudência dos tribunais nacionais,
conforme julgado anteriormente citado.
A sua terceira característica é que esta teoria tem viés
objetivo, pois a contagem do prazo se inicia com base em um fato objetivo, qual
seja, a violação do direito nos negócios jurídicos.
Por fim, a finalidade da teoria da actio nata é garantir a segurança
jurídica e evitar que direitos sejam exercidos de forma indefinida no tempo,
desde que fique provado que o titular do direito violado estava agindo de má-fé.
2.5 Implicações nos Negócios Jurídicos:
Dentre as
principais implicações, podem ser citadas as seguintes:
a) Inadimplemento contratual: O prazo começa a contar a partir do
vencimento da obrigação, com as pertinentes atenuações determinadas pela
jurisprudência;
b) Ônus da Prova: A parte que alega a prescrição tem o ônus de provar o termo inicial do prazo;
c) Exceções: Embora a teoria da actio nata seja a regra geral, existem exceções previstas em lei ou jurisprudência, como a interrupção e a suspensão da prescrição, previstas, respectivamente, nos artigos 202 a 204 e artigos 197 a 201 do Código Civil.
3. A Teoria da Actio Nata e a Boa-fé Objetiva
Resumidamente, a
boa-fé objetiva é um princípio fundamental do Direito Civil que impõe às partes
nas relações jurídicas um dever de lealdade e cooperação. Ela se manifesta de
diversas formas, como o dever de informar, o dever de não prejudicar o outro e
o dever de agir com honestidade.
A
relação entre a actio nata e a boa-fé
objetiva não é simples e gera diversas discussões na doutrina e na
jurisprudência. Em princípio, a teoria da actio
nata parece contrapor-se à boa-fé objetiva, pois a primeira estabelece um
prazo objetivo para o exercício do direito, enquanto a segunda valoriza a
lealdade e a cooperação entre as partes.
No
entanto, é possível identificar algumas situações em que a boa-fé objetiva pode
influenciar a aplicação da teoria da actio
nata:
Viés Subjetivo da Teoria da Actio
Nata:
Em alguns casos, a jurisprudência tem admitido um viés mais subjetivo na
aplicação da teoria da actio nata,
considerando a boa-fé objetiva para determinar o início do prazo prescricional.
Por exemplo, em situações em que o prazo prescricional é muito curto e o credor
não tinha como saber da violação do seu direito, a boa-fé objetiva pode levar à
suspensão ou interrupção do prazo.
Dever de Informação: A boa-fé objetiva
impõe um dever de informar às partes sobre fatos relevantes para a relação
jurídica. Assim, se uma parte oculta intencionalmente um fato que poderia levar
a outra parte a exercer seu direito, a boa-fé objetiva pode ser utilizada para
afastar a aplicação da teoria da actio
nata.
Conduta das Partes: A conduta das partes
durante a relação jurídica também pode influenciar a aplicação da teoria da actio nata. Se uma parte agiu de má-fé,
induzindo a outra a erro ou omitiu informações relevantes, a boa-fé objetiva
pode ser utilizada para estender o prazo prescricional.
3.1 A Busca por um Equilíbrio
A
relação entre a teoria da actio nata
e a boa-fé objetiva exige uma análise cuidadosa de cada caso concreto. O
objetivo é encontrar um equilíbrio entre a necessidade de segurança jurídica,
garantida pela teoria da actio nata,
e a proteção dos direitos subjetivos, assegurada pela boa-fé objetiva.
3.2 Diferenças entre a Teoria da
Actio Nata e a Boa-fé Objetiva
A
teoria da actio nata e a boa-fé
objetiva são dois conceitos jurídicos fundamentais que, embora distintos,
interagem e se complementam no âmbito das relações jurídicas. Para entender as
diferenças entre eles, é preciso analisar cada um isoladamente e, em seguida,
verificar como se relacionam.
3.2.1
Teoria da Actio Nata
Como
já vimos, a teoria da actio nata estabelece que o prazo prescricional começa a
contar a partir do momento em que o direito é violado, ou seja, quando
"nasce" a ação. É um conceito mais objetivo, que busca definir um
marco temporal preciso para o início da contagem do prazo.
3.2.2
Boa-Fé Objetiva
A
boa-fé objetiva, por sua vez, é um princípio geral do direito que impõe às
partes nas relações jurídicas uma conduta leal, transparente e colaborativa.
Ela não se limita a um momento específico, mas permeia toda a relação jurídica,
desde a sua formação até a sua extinção.
3.2.3 Diferenças
- · Natureza: A teoria da actio nata é uma regra específica sobre o início da prescrição, enquanto a boa-fé objetiva é um princípio geral que norteia toda a relação jurídica;
- · Foco: A teoria da actio nata se concentra no momento em que nasce o direito de agir, enquanto a boa-fé objetiva se volta para a conduta das partes durante toda a relação.