O Tribunal, em reexame de seu posicionamento anterior, reconheceu a legitimidade da imposição de penalidades pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica aos seus associados, no contexto do mercado de comercialização de energia elétrica.
Introdução
A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de embargos de declaração no Recurso Especial nº 1.950.332/RJ, reviu seu posicionamento anterior e reconheceu a legitimidade da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para aplicar e cobrar penalidades de seus associados em razão do descumprimento de regras estabelecidas no âmbito do mercado de comercialização de energia elétrica. A decisão, proferida em 20 de março de 2025, também definiu que a data da notificação extrajudicial constitui o termo inicial para a incidência de juros de mora, reforçando a segurança jurídica no setor.
Contexto do Julgamento Inicial
Em outubro de 2023, a 1ª Turma do STJ havia decidido que a CCEE não detinha legitimidade para impor e cobrar penalidades, sob o argumento de que o poder de polícia, em regra, não pode ser delegado a entidades privadas, salvo previsão expressa na Constituição Federal ou em legislação ordinária. Com base nesse entendimento, o colegiado deu provimento ao recurso de uma termelétrica, julgando improcedente a ação de cobrança movida pela CCEE, que buscava o pagamento de penalidades por descumprimento de obrigações contratuais no âmbito do Contrato de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado (CCEAR).
Embargos de Declaração e Argumentos da CCEE
Inconformada, a CCEE opôs embargos de declaração, sustentando a ocorrência de omissões no julgamento do recurso especial. A entidade defendeu que: (i) trata-se de uma associação civil cuja competência para aplicar penalidades limita-se aos seus associados, configurando autorregulação privada; (ii) a vedação ao exercício dessa função violaria o arcabouço legal do mercado de energia elétrica, comprometendo a segurança jurídica, especialmente porque os associados conhecem e aceitam as regras de autorregulação; e (iii) parte dos valores cobrados refere-se a contribuições associativas, e não apenas a penalidades.
Reexame e Nova Decisão
No julgamento dos embargos, o relator, Ministro Gurgel de Faria, reconheceu a omissão no acórdão anterior quanto à análise da autorregulação privada e reexaminou a questão. Contrariando a decisão inicial, a 1ª Turma, por maioria, acolheu os embargos e reconheceu a legitimidade da CCEE para aplicar e cobrar penalidades. O fundamento central foi que as sanções impostas pela CCEE não possuem natureza pública ou derivam de autoridade estatal, mas decorrem de sua atuação como associação privada em regime de autorregulação, visando à organização e ao funcionamento do mercado de energia elétrica em relação aos seus associados.
O relator destacou que a competência da CCEE para impor sanções não exige previsão expressa em lei ou na Constituição, uma vez que não se confunde com o exercício de poder de polícia. Assim, a decisão reforçou a validade do regime de autorregulação no setor, assegurando que as penalidades aplicadas pela CCEE são legítimas no âmbito das relações contratuais com seus associados.
Embargos de Declaração da Termelétrica
A termelétrica envolvida no caso interpôs novos embargos de declaração, alegando nulidades no acórdão da 1ª Turma, os quais ainda aguardam análise. Apesar de não se tratar de precedente vinculante ou submetido ao rito dos recursos repetitivos, a decisão possui relevância significativa para o setor de energia elétrica, pois esclarece as atribuições da CCEE e fortalece a segurança jurídica no mercado regulado.
Impacto e Relevância da Decisão
A decisão da 1ª Turma do STJ representa um marco na consolidação do regime jurídico da autorregulação no setor de energia elétrica, que, até então, recebia pouca atenção do Poder Judiciário, especialmente em setores caracterizados por forte regulamentação estatal. Ao reconhecer a legitimidade da CCEE para aplicar penalidades, o STJ reforça a autonomia das associações privadas em promover a disciplina e o funcionamento eficiente do mercado, desde que respeitados os limites contratuais e associativos.
Essa orientação contribui para a estabilidade das relações jurídicas no mercado de energia elétrica, oferecendo maior previsibilidade aos agentes econômicos e reforçando a importância da autorregulação como instrumento de governança em setores regulados. Contudo, a pendência de análise dos embargos de declaração da termelétrica indica que o tema ainda pode ser objeto de novos debates e esclarecimentos no âmbito judicial.